Título: Questão nuclear divide iranianos
Autor: Michael Slackman
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2006, Internacional, p. A14

Funcionários de alto escalão dizem que táticas de confronto do presidente Ahmadinejad estão saindo pela culatra

Há algumas semanas, a abordagem combativa do governo do Irã para o desenvolvimento de um programa nuclear motivava raras demonstrações públicas de unidade. Agora, enquanto os líderes máximos continuam decididos a manter o rumo, surgem divisões sobre o tema tanto dentro quanto fora dos círculos do poder.

Alguns detentores de cargos poderosos começaram a insistir que as táticas de confronto do presidente Mahmud Ahmadinejad estão saindo pela culatra, o que torna mais difícil, e não mais fácil, o desenvolvimento de um programa nuclear.

Nesta semana, o Conselho de Segurança da ONU se reúne para tratar do programa nuclear do Irã. Esta iniciativa e - no que talvez seja mais importante - a incapacidade do Irã até agora de obter o apoio inequívoco da Rússia a seus planos fortaleceram os críticos de Ahmadinejad, segundo analistas políticos com ligações com o governo.

Um funcionário iraniano de alto escalão, que não quis ser identificado, afirmou: "Se o que eles estão fazendo estivesse funcionando, diríamos: 'Ótimo.'" No entanto, acrescentou ele, "durante 27 anos, depois da Revolução Islâmica, os EUA quiseram levar o Irã ao Conselho de Segurança e não conseguiram. Em menos de seis meses, Ahmadinejad fez isso".

Há um mês, o mesmo funcionário havia dito, com uma risada, que os opositores da abordagem linha-dura mantinham silêncio porque ela parecia funcionar. Como é usual no Irã, há sinais contraditórios e o governo nem sempre fala com uma só voz.

Na terça-feira, Ahmadinejad e o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, insistiram em discursos públicos que o país jamais recuaria. Ao mesmo tempo, negociadores iranianos chegaram a Moscou para retomar o diálogo - a pedido do Irã - dias depois de Teerã ter rejeitado uma proposta russa para resolver o impasse.

A população iraniana não parece uniformemente confiante diante da perspectiva de sanções da ONU. Das ruas de Teerã às pistas de esqui que ficam fora da cidade, algumas pessoas começaram a zombar do slogan do governo - repetindo, em tom de desdém, que "a energia nuclear é nosso direito irrefutável".

Os reformistas, cuja influência política enquanto movimento desapareceu depois da última eleição, também começaram a erguer a voz. E pessoas com laços íntimos com o governo disseram que clérigos importantes começam a criticar a posição do Irã em conversas com o aiatolá Khamenei, o que é visto pela elite política como um abalo sísmico.

"Não há sinal de recuo", afirmou Ahmad Zeidabady, analista político e jornalista. "Pelo menos Khamenei não disse nada que possamos interpretar como um indício de mudança nas políticas." No entanto, disse ele, "surgem mais críticas à medida que fica mais claro que esta política não está funcionando, especialmente por parte dos membros da equipe de negociações anterior".

Também há sinais de que os negociadores começam a se afastar, ainda que sutilmente, de uma estratégia radical, e de que as pessoas que inicialmente se opuseram ao estilo do presidente Ahmadinejad- mas permaneceram em silêncio - começam a se sentir mais fortalecidas e a falar.

Recentemente, o ex-presidente Mohammad Khatami criticou em público a abordagem agressiva e pediu a retomada da estratégia de seu governo de construção de confiança entre o Irã e o Ocidente.

"A equipe anterior agora se sente vingada" , diz Nasser Hadian, professor de ciências políticas da Universidade de Teerã, que tem ligações com vários membros do governo. "A nova equipe sente que precisa justificar suas ações."

O aiatolá Khamenei, que tem a palavra final, fez uma firme defesa da posição do Irã na terça-feira. "A República Islâmica do Irã acredita que o recuo na questão nuclear, que é a exigência do povo iraniano, violaria a independência do país, impondo custos enormes à nação iraniana", disse ele.

"O uso pacífico da tecnologia nuclear é indispensável e necessário para o crescimento científico em todas as áreas", afirmou o aiatolá. "Qualquer tipo de recuo resultará numa série de pressões. Assim, este é um caminho irreversível e nossa diplomacia externa deve defender este direito corajosamente", declarou o aiatolá Khamenei.