Título: O Exército contra o tráfico
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Após 12 dias de atuação em 16 favelas cariocas, as tropas do Exército recuperaram os dez fuzis e a pistola que haviam sido roubados do Estabelecimento Central de Transportes do Exército. Durante toda a operação, os militares agiram no estrito cumprimento da lei. Tendo ocorrido a invasão de próprio do Exército, a agressão física a militares em serviço e o roubo de armamento privativo das Forças Armadas, as tropas designadas assumiram o seu papel legal de polícia judicial militar, cumprindo mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça Militar. E nas operações nas favelas não houve emprego de excesso de força. As regras de engajamento, rigorosamente obedecidas, somente permitiam o revide à agressão armada - e isso ocorreu em pelo menos meia dúzia de confrontos com os traficantes.

A operação foi bem planejada e bem comandada. Antes de mais nada, o Comando Militar do Leste reagiu com rapidez. O roubo das armas deu-se na madrugada do dia 3. À tarde daquele mesmo dia 300 militares faziam buscas no Complexo do Alemão.

Além disso, foram evitados erros do passado. As diligências nas 16 favelas não tinham como objetivo o confronto com os traficantes, mas o estrito cumprimento de mandados judiciais. Os militares engajados nas unidades que participaram das operações e que moravam ou tinham parentes nas favelas foram dispensados - e com isso reduziu-se o poder de retaliação do tráfico. Tropas sediadas fora do Rio de Janeiro ficaram de prontidão para um reforço ou revezamento.

Mas o que realmente funcionou foi a tática da "asfixia". Os militares não se limitaram a patrulhar os morros. Controlaram as vias de acesso, verificando documentação e revistando carros. Com isso, os consumidores de drogas não puderam chegar a seus fornecedores. Calcula-se que, nos 12 dias de duração da Operação Asfixia, o faturamento dos traficantes tenha caído 70%. Essa tática é eficiente - vai direto ao bolso dos bandidos -, mas não pode ser empregada indefinidamente, uma vez que perturba fortemente a vida dos cidadãos de bem que vivem nas favelas.

Assim, na segunda-feira, o Comando Militar do Leste mudou de tática, passando a fazer diligências pontuais para checar denúncias e informações específicas. Foi quando os militares receberam a informação - obviamente passada por alguém a mando do tráfico, já exausto pela longa duração da operação - que levou à localização e recuperação das armas.

Isso não encerra o episódio. O Exército ainda não prendeu os autores do assalto ao quartel, embora já tenha identificado alguns suspeitos. Continuará, portanto, fazendo diligências e cumprindo mandados de busca e apreensão e de prisão, expedidos pela Justiça.

O êxito da operação militar deve ser aproveitado pelas autoridades policiais do Rio de Janeiro. Equipes de elite da PM atuaram como coadjuvantes do Exército. Podem, a partir de agora, assumir a condução de operações que objetivem não a "invasão" ou a "ocupação" das favelas, mas a sua reincorporação ao império da lei e da ordem.

Já se viu que é possível se fazer isso, sem o recurso à violência descontrolada. Diante da força controlada da tropa - que não buscou o confronto, mas dele não fugiu, nem contornou obstáculos para evitar conflitos -, a violência dos bandidos esmaece. Mas, para conduzir esse tipo de operação, as autoridades devem estar imunes a pressões políticas.

Durante a Operação Asfixia, não faltaram movimentos ditos comunitários mostrando aos meios de comunicação - especialmente a televisão - os perigos a que a população estava exposta, devido à presença dos militares nas favelas. Eram, sem dúvida, "lideranças" fabricadas pelo tráfico e sua única função é fazer pressão social para limitar - se possível, anular completamente - a ação dos agentes da lei e da ordem.

Igualmente estranho foi o comportamento do Ministério Público Federal, que tentou suspender, por meio de liminar, a operação militar. Felizmente o Poder Judiciário negou o pedido, mas o fato é que, diante de ações efetivas contra o narcotráfico, erguem-se obstáculos os mais inesperados. Essa mesma preocupação com a segurança dos favelados raras vezes é manifestada, quando sobre eles os traficantes exercem o seu cruel domínio.