Título: Contra o governo, produtores jogam fora 2 toneladas de grãos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2006, Economia & Negócios, p. B20

Durante visita de ministro, eles exigem política de preços mínimos e valorização do dólar

ARAÇATUBA

Agricultores da região de Araçatuba, interior de São Paulo, jogaram 2,1 toneladas de grãos na rua e depois atearam fogo em protesto contra os baixos preços dos produtos e endividamento no setor. A manifestação ocorreu durante a visita do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, à Feira de Negócios do Setor de Energia, que considerou que o protesto foi "justo".

Antes de o ministro chegar, os manifestantes espalharam 1 tonelada de milho, 1 tonelada de soja e 120 kg de arroz pela rua que dá acesso ao parque onde era realizada a feira. Após a chegada de Rodrigues, eles puseram fogo numa parte dos grãos. Porém, a organização da feira evitou o confronto, desviando a comitiva por uma entrada lateral do parque.

"Ele é ministro da cana, não da agricultura", reclamou o produtor José Carlos Roberto, plantador de soja. "Queríamos que ele passasse por aqui para ouvir nossas reivindicações", reclamou o líder do movimento, Roberto Frare, presidente da Associação dos Produtores de Coroados.

Os produtores acusam o governo de incentivar a crise no campo ao não estabelecer preço mínimo para os produtos e não fazer nada para deter a queda do dólar.

Rodrigues afirmou que o governo prepara uma "MP do Bem" para a agricultura, que vai propor uma ampla renegociação de dívidas e recursos para a comercialização da safra.

Ele também citou, como medida para minimizar o problema de preços baixos nos grãos, a adoção, por parte do governo, de medidas de apoio ao preço mínimo e comercialização. No entanto, apesar de o Ministério ter pedido R$ 1,7 bilhão para tais medidas, o orçamento da União para este ano ainda não foi aprovado, o que dificulta o apoio ao setor. "O preço do mercado neste momento está abaixo dos preços mínimos e, quando isso acontece, o governo deveria intervir; mas como o orçamento não foi aprovado, não conseguimos alocar esses recursos."

Segundo o ministro, as medidas devem passar por uma revisão de toda a questão da dívida agrícola e por um modelo vigoroso de apoio à comercialização da safra, além do reforço para o seguro rural, biodiesel e ao setor canavieiro do Nordeste.

Em todo o País, os produtores de grãos estão reivindicando a prorrogação das dívidas de investimento que vencem neste ano e a liberação de uma linha de emergência para apoiar a comercialização da safra 2005/2006. "Sou produtor há 20 anos e esta é a pior crise que já vi", disse Rui Prado, presidente da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja). "Ela começou no fim de 2004 e não enxergo perspectivas de que acabe este ano."

Os agricultores encaminharam ao Ministério da Agricultura uma radiografia dos problemas. O trabalho, compilado pela Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar) mostra que as lavouras de soja, milho e trigo sofreram uma forte deterioração nos termos de troca. Em outras palavras, é preciso produzir mais soja, milho e trigo para conseguir comprar a mesma quantidade de maquinário ou de insumos.

Segundo a Ocepar, a maior cota de responsabilidade pelas agruras do setor se deve à valorização do real. O trabalho mostra que o dólar em janeiro ficou 19% abaixo do registrado na média nominal entre janeiro de 2003 e dezembro de 2005. Como a desvalorização vem ocorrendo sistematicamente, esta já é a segunda safra seguida em que os agricultores compram insumos dolarizados a valores mais altos em reais do que os praticados no momento da comercialização. O dólar mais baixo significa preços agrícolas de produtos de exportação mais baixos também.

O pedido mais urgente dos produtores é que sejam reescalonadas as dívidas de custeio deste ano e aquelas contraídas no ano passado e prorrogadas para 2006. Um segundo pedido é para que as parcelas das linhas de investimento que vencem este ano sejam transferidas para o último ano de contrato. Por último, o setor quer a ampliação dos recursos destinados ao apoio à comercialização agrícola este ano.

Os produtores já receberam o primeiro aceno do governo. O setor ganhou prazo adicional de 60 dias para pagar as dívidas de custeio da safra passada.