Título: Queda dos juros vai continuar a conta-gotas
Autor: Gustavo Freire, Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2006, Economia & Negócios, p. B3

Ata do Copom divulgada ontem indica manutenção do gradualismo por persistirem incertezas sobre a inflação

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), divulgada ontem, sugere a continuidade de um processo de mais longo prazo para a queda da taxa de juros e chama a atenção, pela primeira vez, para o aumento dos gastos do governo. Os argumentos do BC para explicar a redução da taxa básica de juros (Selic), de 17,25% para 16,50%, desmontam as análises de que a taxa poderia cair 1 ponto porcentual em abril. "A ata sinalizou que a redução na próxima reunião será mesmo de 0,75 ponto", admitiu o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles. As apostas de mercado de que a Selic poderia ter uma queda maior em abril foram estimuladas pelos votos de três integrantes do Copom em favor do corte de 1 ponto porcentual na reunião passada.

A referência explícita ao aumento de gastos do governo reforça o argumento usado por alguns economistas para justificar o conservadorismo do Copom. Ou seja, os juros são um contraponto à elevação de gastos, à medida que a ação do governo aumenta os níveis de demanda na economia. Segundo o texto, esses pontos de manutenção da postura conservadora referem-se ao aumento do salário mínimo, aos "impulsos fiscais" do último trimestre e aos esperados para o primeiro semestre deste ano. Para os diretores do BC, essas decisões do governo devem impulsionar a economia nos próximos meses, o que justifica a postura conservadora.

Para Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, a ata inova ao detalhar os 'impulsos fiscais'. Segundo ele, o BC divulga "um calhamaço enorme" referente ao relatório de inflação, que é divulgado a cada três meses, e "só uma linha" sobre a questão fiscal. "Para o padrão BC, as considerações da ata são inovadores."

Os três diretores que votaram pela redução de 1 ponto porcentual avaliaram que essa queda seria um sinalização mais condizente com a melhora da avaliação de riscos observados nas duas reuniões deste ano. Eles entenderam que houve uma recuperação equilibrada da economia e destacaram as perspectivas de ampliação dos investimentos e expansão das importações. Para eles, também era possível perceber um arrefecimento do processo de aceleração da inflação. Mas foi feita a ressalva de que, apesar disso, os diretores concordavam que os próximos passos do BC ainda obedeceriam à lógica de condicionar as decisões à evolução dos indicadores de inflação e às suas projeções.

O economista do grupo de análise da conjuntura econômica da UFRJ, Carlos Thadeu Filho, comentou que a percepção de que a taxa teria corte de 1 ponto provocou forte queda dos juros de longo prazo. "Isso anulou o benefício que o BC teria com a queda de 0,75 ponto em seu esforço de fazer a inflação convergir para as metas." O problema foi contornado, segundo ele, pela inclusão na ata desse posicionamento sobre a necessidade de acompanhar os indicadores.

A disposição para o gradualismo foi acentuada, avalia Teles, pelo fato de a ata ressaltar que persistem incertezas quanto ao impacto na inflação da queda de 2,5 pontos porcentuais na Selic desde setembro. "As decisões das políticas de juros costumam levar de 6 a 9 meses para surtirem efeito sobre a inflação." Neste particular, ele lembrou que a inflação de março pode ser pior do que esperava o mercado, devido aos aumentos nos combustíveis. "O IPCA de março pode ficar em 0,50% e não nos 0,35% que se esperava."

A ata reconhece o impacto dos combustíveis. Mas considera que a correção dos preços pode se reverter no longo prazo. "Não acredito que haverá uma reversão total dos aumentos de 5% que ocorreram no primeiro trimestre", diz Teles. Segundo ele, o BC terá de mudar a previsão de reajuste zero para os combustíveis e passar a trabalhar com algo entre 2% e 3%. Para Thadeu Filho, o encarecimento dos combustíveis deve ser anulado pela queda dos preços dos produtos duráveis e semiduráveis. "Com demanda baixa, esses preços já estão em queda e começam a registrar deflação."

Marcela Prada, economista da Tendências, destacou que a ata sinalizou que a distância entre a taxa de juros atual e a de equilíbrio está menor atualmente. "É um sinal de que o espaço para quedas maiores dos juros está reduzido." A taxa de equilíbrio, capaz de fazer a economia crescer sem criar pressões inflacionárias, é calculada pelo mercado em torno de 9% em termos reais. "Ficou claro que a Selic não cairá abaixo de 14% neste ano, como algumas instituições projetaram", disse Teles.

Thadeu Filho tem visão diferente: "Com o aumento nas taxas de investimento, é possível que a taxa de juros equilíbrio seja menor do que se imagina". O economista José Márcio Camargo, sócio da consultoria Tendências, chegou a dizer em seminário que a taxa real de juros poderia chegar a algo entre 7% e 8% -"suficiente para deixar a inflação estável em torno dos 4,5%". Esta taxa de equilíbrio só deve ser alcançada mais para o fim do ano. "Não acredito que isto ocorra no curto prazo", diz Teles.