Título: Política cambial já transforma fabricantes em importadores
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2006, Economia & Negócios, p. B1

Dólar desvalorizado leva empresas a comprar da China produtos que antes fabricavam para exportação

Há pouco mais de um mês, a Industrial e Comercial Fuck, uma empresa catarinense que fabrica portas e compensados de madeira, recebeu dois contêineres de mercadorias da China. Depois de meses de luta contra o câmbio valorizado e a competitividade chinesa, Niceto Osmar Fuck, o dono da empresa, jogou a toalha. Foi a primeira vez nos 62 anos da indústria que a Fuck parou de fabricar no Brasil e resolveu importar da China.

A Fuck exporta 45% de sua produção, para os Estados Unidos, Europa e Caribe. Mas a empresa não estava mais conseguindo concorrer com os chineses, que têm preços 40% mais baixos. "É irônico - já cheguei a vender pisos de madeira para os chineses - agora importamos peças de madeira da China para vender aqui ou reexportar para os EUA." Por enquanto, a Fuck está importando apenas uma parcela das peças. "Mas, se o dólar continuar baixo, a empresa pode substituir toda a fabricação de peças por importados da China", diz Fuck. "Aí, uma de nossas fábricas, que emprega 280 pessoas, vai ficar só com 70 funcionários."

Isso está acontecendo em todo o Brasil. Indústrias de autopeças, cerâmicas, aros de bicicletas, madeiras e móveis estão deixando de fabricar no País e passando a importar de outros países, principalmente da China. Com o dólar baixo (já caiu 23,66% desde abril de 2005), muitos também estão trocando seus fornecedores brasileiros por estrangeiros. "A substituição de produção nacional por bens importados está crescendo muito", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "No segundo semestre, vai se consolidar essa substituição por importações."

As importações de bens de capital ainda são as mais significativas e crescem mais - o que é um bom sinal, aponta, para a retomada da economia. "Mas já vemos aumentos significativos na importação de insumos e bens de consumo", diz Castro. No acumulado janeiro/fevereiro de 2006, houve crescimento de 29,1% na importação de bens de consumo, 23,5% em bens de capital, 19% em combustíveis e lubrificantes e 12,7% em matérias-primas e intermediários.

Segundo Antonio José Pargana, presidente da Cisa Trading, a maior trading em importação do Brasil, como as empresas vêem que o real não deve se desvalorizar muito, elas se animam a importar equipamentos financiando a oito ou dez anos. "O financiamento lá fora está muito barato e, agora, tem risco cambial mínimo", diz Pargana.

Guilherme Greggio vai embarcar para a China nos próximos dias. "Nunca imaginei que o Brasil ia ter de importar madeira", conta o proprietário da Caribea Indústria Madeireira, que fabrica madeira compensada e peças. No fim do ano passado, Greggio perdeu um grande cliente nos Estados Unidos. Para não sair do mercado, ele vai importar sua matéria-prima da China.

Humberto Barbato, diretor-geral da Cerâmica Santa Terezinha e do departamento de comércio exterior do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), passou a importar componentes para honrar seus contratos de exportação de isoladores elétricos. Antes, comprava tudo de um fornecedor nacional, mas o da China é 40% mais barato. "Com esse dólar, o incentivo à importação não podia ser maior."