Título: Transgênicos? Só o futuro dirá
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

No momento em que estas linhas são escritas, na quarta-feira, ainda não parece claro qual será o desfecho da terceira reunião dos 132 países que homologaram o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP 3), em andamento em Curitiba. Não está definido se 131 países aceitarão a nova proposta brasileira, de identificar com o termo "contém" cargas de produtos exportados com organismos geneticamente modificados (OGMs), mas concedendo aos exportadores quatro anos de prazo para que a cumpram, identificando claramente qual o conteúdo e possíveis riscos.

O protocolo, que entrou em vigor em 2003, vinha num impasse, exatamente por causa da posição brasileira, apoiada apenas pela Nova Zelândia - e com 130 países contra. O Brasil até aqui pretendia que as cargas com possíveis OGMs fossem caracterizadas pela expressão "pode conter" - porque o termo "contém" (defendido por 130 países) implicaria custos de identificação para a agricultura e o comércio exterior nacionais, especialmente no caso da soja, que poderiam chegar a 8,6% do preço final, segundo os defensores dessa posição. Além disso, argumentavam os Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento, de Ciência e Tecnologia, das Relações Exteriores, "contém" poderia abrir caminho para barreiras não-tarifárias e outras em países que não queiram aceitar OGMs. Já os Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e do Desenvolvimento Agrário diziam que os custos da identificação seriam inferiores a meio dólar por tonelada, como prova o Paraná, que já exige a identificação, pois tem contratos com países que pagam mais pela soja não modificada.

Terça-feira última, no fim da tarde, com a MOP 3 já em andamento - mas sem a presença da ministra do Meio Ambiente -, a Presidência da República anunciou a decisão de optar pelo termo "contém" para as exportações em que a presença de OGMs já esteja caracterizada "no sistema de produção". Mas concede prazo de quatro anos para que os países implementem esse sistema no comércio exterior; até o fim desse prazo, "será utilizada a expressão 'pode conter', seguida da lista de todos os eventos de transformação genética aprovados no país exportador". Diz a nota oficial que essa posição "visa garantir a coexistência na produção de OGMs e não-OGMs" e que ela é "coerente com a legislação interna que prevê a necessidade de rotulagem de produtos transgênicos".

Algumas conseqüências podem ser antevistas:

Não será fácil alcançar o consenso, indispensável para a tomada de decisões em reuniões desse tipo no sistema ONU; países importadores (como os europeus, por exemplo) que não querem alimentos transgênicos provavelmente resistirão a esse caminho, que, na prática, posterga uma decisão (quem acredita que os produtores brasileiros de soja transgênica correrão para implantar sistemas de identificação?);

no Brasil, a solução, na prática, foi adiada para o final do próximo mandato presidencial; com isso, dá alento aos defensores dos transgênicos, sem impor mais uma derrota aos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário (que perderam todas as votações sobre a Lei de Biossegurança no Congresso, em movimentos comandados pela Casa Civil da Presidência e pela liderança do partido do governo, articulados com a bancada ruralista);

adia-se de novo o cumprimento do Decreto 4.680/2003, que já obriga os documentos fiscais, inclusive na exportação, a conter informações "sobre a natureza transgênica do produto", mas que, na prática, não é obedecido;

o novo prazo dá força também para que não se cumpra a exigência de identificar, nas vendas ao consumidor brasileiro, qualquer produto que contenha 1% ou mais de OGMs; como lembra a diretora do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Marilena Lazzarini, já que não há monitoramente, nem há estruturas eficazes para a detecção, na prática do dia-a-dia não há produtos com essa identificação nos rótulos.

Não prevaleceram, portanto, os argumentos dos adversários dos transgênicos, lembrando que, onde se quer, já há estruturas de identificação (caso do Paraná). Como há outros formatos, destinados a assegurar que as empresas detentoras de patentes de OGMs possam cobrar royalties dos agricultores que usam suas sementes (neste momento mesmo, em Mato Grosso do Sul, há uma pendência entre uma dessas empresas e os produtores de soja, porque aquela pretende triplicar o valor dos royalties).

Tudo indica, portanto, que a polêmica em torno do princípio da precaução que deve ser aplicado no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica - em que se realiza a MOP 3 - vai continuar. Inclusive com o argumento (que provaria os riscos) de que o Ibama interditou há pouco 13 propriedades no entorno do Parque Nacional do Iguaçu, que desrespeitaram as faixas de proteção do parque e plantaram soja transgênica. E porque está sendo divulgado relatório que aponta 113 casos de "contaminação" de plantações por transgênicos vizinhos. No Rio Grande do Sul mesmo há pelo menos quatro casos documentados.

Nada disso - nem estudos sobre outros custos, produtividade e rentabilidade - impede que a cultura de soja transgênica continue avançando no País e já abranja 21% das terras cultivadas (um aumento de 57 vezes, desde 1961, e de 138 vezes na produção, segundo estudos de universidades norte-americanas).

Ao que parece , o resultado mais forte - provavelmente o desejado - é o de evitar nova derrota do Ministério do Meio Ambiente (que tem tido uma posição coerente desde o início do governo). E de jogar muito para a frente uma solução real.