Título: Governo e Petrobrás operam em vôo cego
Autor: Kelly Lima
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2006, Economia & Negócios, p. B9

Estatal apresentou memorando de entendimento e não teve resposta

O governo brasileiro e a Petrobrás estão em vôo cego. Até ontem, não havia sinal de La Paz sobre como será o decreto que regulamentará a nova relação entre a Bolívia e as multinacionais que operam no setor de gás e de petróleo no país. A declaração do presidente boliviano, Evo Morales, ontem, sobre a edição do decreto em 12 de julho levou observadores da diplomacia brasileira a uma constatação: "Não temos a menor idéia do que vai sair dessa caixa de Pandora", resumiu uma fonte do Itamaraty ao Estado.

Morales elegeu-se em dezembro e tomou posse em 22 de janeiro com o compromisso de nacionalizar o setor, conforme os termos da Lei de Hidrocarbonetos, aprovada em 2005. Mas não indicou que o governo boliviano tomaria, arbitrariamente, as instalações das multinacionais nem se comprometeu a adquirir as empresas, em um eventual surto estatizante. Só falou em parcerias desses operadores com o Estado boliviano.

"O governo não fala em estatização. Chegaram a falar da compra das refinarias da Petrobrás no país. Mas depois transformaram o negócio em parceria. Agora, não tocam mais no assunto", disse um diplomata. "Não há dinheiro para estatizar."

A rigor, vários dos ministérios, junto com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia, estão empenhados na formulação de regras que deverão valer a partir de 12 de julho. Até agora, nenhuma idéia vazou. Nem Morales indicou quais seriam as regras básicas a serem adotadas sobre a convivência entre o Estado e as companhias. Do lado brasileiro, apesar do US$ 1,5 bilhão injetados pela Petrobrás na Bolívia, há consciência de que a ação diplomática e governamental chegou a um limite.

"Não resta alternativa senão esperar", disse a fonte do Itamaraty. Em fevereiro, em sinal da intenção de ficar no país, a Petrobrás apresentou ao governo boliviano um projeto de memorando de entendimento, com regras tão gerais como as da Lei de Hidrocarbonetos. Mas não houve resposta.

Ontem, nem a estatal nem o Itamaraty quiseram comentar oficialmente as declarações de Morales sobre a nacionalização. A Petrobrás é a maior empresa em atuação no país vizinho. O gás boliviano supre 50% do consumo brasileiro do combustível.

A assessoria de imprensa do Itamaraty informou que não se manifestaria sobre as declarações de Morales até receber informações oficiais da embaixada brasileira em La Paz. Antes de ser eleito, Morales já declarava que poderia nacionalizar as reservas naturais bolivianas.