Título: Falta uma política agrícola
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2006, Notas e Informações, p. A3

O governo anunciou um pacote de R$ 16,8 bilhões para socorrer milhares de agricultores atolados em problemas financeiros. O dinheiro deverá servir principalmente para duas finalidades: apoiar os produtores na comercialização da safra 2005-2006, por meio da sustentação de preços, e tirar do sufoco um grande número de endividados. Muitos ficaram em situação insustentável, depois das perdas sofridas no ano passado em conseqüência da seca, da baixa das cotações e, em parte, da variação cambial. O socorro é bem-vindo, mas teria sido mais eficiente se o governo tivesse tomado as decisões mais cedo. As discussões entre os Ministérios da Agricultura e da Fazenda prolongaram-se, no entanto, embora a gravidade da situação fosse conhecida.

Mas o auxílio demorou principalmente porque o País não dispõe, há anos, de uma verdadeira política agrícola. Política agrícola é um instrumento permanente de trabalho. Envolve programas de longo prazo e rotinas de trabalho eficientes.

A agricultura é uma atividade com peculiaridades bem definidas. Suas atividades seguem um calendário ditado pela natureza. Entre plantio e colheita pode haver um intervalo de vários meses. O negócio é sujeito às oscilações de mercado e aos riscos naturais. Além disso, sendo os produtores pulverizados, sua influência sobre o mercado é quase nula. Há um notório desequilíbrio entre os produtores e os grupos envolvidos no processamento dos produtos.

Tudo isso justifica uma atenção especial à agricultura, por parte do governo, mesmo que se evitem subsídios e barreiras protecionistas. Mas as políticas agrícolas seguidas durante décadas foram abandonadas, quase complemente, nos anos 90. As condições do Tesouro Nacional impunham a modernização dos instrumentos. Mas a reforma ficou incompleta. Mais que isso, perdeu-se a noção das políticas como atividades permanentes.

As dificuldades do setor vêm sendo tratadas, há cerca de uma década, como fatos isolados. Quando os problemas se tornam muito graves, procuram-se remédios para uso imediato, aplicáveis a cada crise. Não se constroem sistemas de prevenção, nem esquemas previsíveis e rotineiros de apoio aos produtores.

Remédios de ocasião têm custado muito caro. Quando as dificuldades se acumulam, as pressões políticas tornam-se muito fortes e o governo acaba recorrendo a ações de emergência. Dívidas foram refinanciadas de forma indiscriminada, em momentos de crise, com benefícios para empresários que poderiam dispensar a ajuda - muitos deles, caloteiros habituais.

Desta vez, fala-se em negociar caso a caso o refinanciamento de compromissos, levando-se em conta as condições de comercialização de cada produto e a situação real de cada candidato ao benefício. Nada garante que sejam tomados, na execução do programa, os cuidados necessários. Sem a cautela indispensável, poderá haver enorme desperdício de recursos.

Será preciso, no entanto, combinar seletividade na concessão de benefícios com rapidez na execução das medidas necessárias. Sem isso, as providências de apoio à comercialização e o socorro financeiro perderão muito de sua eficácia.

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, apresentou o pacote em companhia do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Este anunciou estudos para a adoção de medidas permanentes de apoio à agricultura e de prevenção de problemas financeiros. O conjunto deverá incluir um seguro rural mais eficaz que os instrumentos hoje disponíveis.

O pacote é volumoso. Seu custo direto para o Tesouro deverá chegar a R$ 1,28 bilhão. Será um impacto fiscal não desprezível, num momento em que há preocupações quanto à consecução do superávit primário definido para o ano. Além disso, refinanciamento de compromissos cria problemas para a realização de novos empréstimos bancários ao setor.

Só há um meio de se evitar os inconvenientes causados por medidas de emergência que, em geral, não passam de remendos custosos. É dispor de políticas de longo prazo, como as anunciadas por Bernard Appy.