Título: Caetano: reeleger Lula é absurdo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2006, Nacional, p. A5

Votar novamente no presidente Luiz Inácio Lula da Silva "é uma maluquice", afirmou em Londres o compositor Caetano Veloso. "Votar em Lula de novo? Não voto nele agora de maneira nenhuma. Acho um absurdo votar em Lula de novo", disse ele à BBC, ao visitar no sábado a sede do serviço mundial da tradicional televisão britânica. Para Caetano, a possibilidade de votar em Lula ficou distante, "ainda mais depois de tudo isso, dessa história do Palocci".

Caetano disse que as sucessivas crises políticas ocorridas no governo Lula não o surpreenderam. "Não fiquei muito surpreso, não, porque esse pessoal da esquerda é muito autoconfiante. Pensam que por serem de esquerda já é uma vantagem terem chegado ao poder. Então, não se preparam para fazer coisa alguma, não planejam um programa. Pensam que ser de esquerda é, em si, superior. Eu sou contra esse negócio."

Para ele, a série de escândalos vividos pelo governo "se deve sobretudo a isso". Caetano repetiu uma expressão com que qualificou Rita Lee na canção Sampa ("a sua mais completa tradução"), desta vez emprestando-lhe um sentido negativo, para qualificar a esquerda petista e seu símbolo: "O José Dirceu foi uma tradução escandalosa desse tipo de atitude".

O compositor, ex-eleitor de Fernando Henrique Cardoso, não revelou seu voto em 2006. "Não sou obrigado a votar em (Geraldo) Alckmin, posso até votar. Mas não pensei em votar em Alckmin. Pensei em votar em Roberto Mangabeira (Unger), mas a candidatura dele não se mostrou viável. Meu candidato é Roberto Mangabeira."

Caetano não quis opinar sobre a participação de seu velho amigo e parceiro Gilberto Gil no governo Lula, ocupando o Ministério da Cultura, embora reconhecendo que, a seu juízo, "o governo Lula traz traços políticos arcaicos pouco condizentes" com a escola tropicalista, inaugurada no fim dos anos 60 por ele e por Gil.

Anteriormente Caetano admitiu que Gil funcionava, no governo, como "o Lula do Lula", sugerindo que ele é uma espécie de consciência crítica do atual presidente. "O aspecto simbólico do Lula não é arcaico. É uma novidade na história brasileira. E também o Gil, como 'Lula do Lula', não é um arcaísmo. No próprio Ministério da Cultura, Gil mostrou preocupações e interesses que não são nada arcaicos."

Mas mesmo com a "consciência crítica" chacoalhando o coração do governo, Lula não foi capaz de contornar ou evitar as crises: "Sem dúvida, a inércia da sociedade brasileira puxa tudo para um lugar terrível, aquele pântano histórico que é o Brasil. E isso aí aconteceu", disse o compositor.