Título: Inquérito sobre a Nossa Caixa mostra investigação incompleta
Autor: Paulo Moreira Leite e Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2006, Nacional, p. A6

A leitura dos nove volumes do inquérito sobre a Nossa Caixa põe em questão a versão de que todas as responsabilidades foram definidas e nenhuma dúvida restou para ser esclarecida, conforme autoridades ligadas ao então governador Geraldo Alckmin sustentam desde que se soube que durante 18 meses a instituição gastou R$ 42,5 milhões em publicidade com base em contratos vencidos. O inquérito em mãos do Ministério Público revela contradições e indícios que sugerem que o gerente do departamento de marketing do banco, Jaime de Castro Júnior, demitido por justa causa no fim de 2005 pela acusação de "mau procedimento, desídia e indisciplina", foi a vítima exclusiva de uma investigação que não apurou corretamente o papel de outros executivos do banco, instalados em posições de maior responsabilidade.

Em ano eleitoral, a oposição planeja transformar a Nossa Caixa em tema de CPI, que, se for realizada, será a primeira da Assembléia Legislativa desde a posse de Alckmin. Não é preciso fazer prejulgamentos, mas é difícil negar que o caso reúne material digno de atenção, pelo menos. Em sindicância interna, o então gerente Castro Júnior diz ter sido "obrigado a fazer pagamentos fora das normas". Fala genericamente em "dezenas de casos" e num deles cita especificamente o atual presidente da instituição, Carlos Eduardo Monteiro, como autor da ordem para agir "fora das normas". Ao investigar os R$ 42,5 milhões gastos sem contrato, o banco só foi capaz de comprovar despesas de R$ 37 milhões. Não se conseguiu descrever o destino de R$ 5,5 milhões.

Numa revelação que diz respeito à existência de relações perigosas entre a Nossa Caixa e as empresas beneficiadas, o inquérito conta que o jornalista Roger Ferreira, mais tarde promovido a secretário de Comunicação do governo, de onde pediu demissão logo depois que o caso veio à luz, foi assessor da presidência do banco com um salário de R$ 17 mil - pagos mensalmente por uma das agências de publicidade, a Full Jazz.

Funcionários e ex-funcionários da Nossa Caixa ouvidos pelo Estado sustentam que nenhum gerente teria autonomia para operar quantias nesse volume - a gerência de marketing responde diretamente à presidência da instituição - sem o comportamento solidário de outros departamentos. Castro Júnior conta até que assumia despesas maiores, que mais tarde eram referendadas pelos superiores da hierarquia da empresa. Sua autonomia para gastos isolados limitava-se a R$ 40 mil.

Uma reconstituição das investigações demonstra que a direção da Nossa Caixa só foi preocupar-se com as despesas sem contrato depois que, em março de 2005, recebeu um requerimento de informações assinado por Candido Vacarezza, deputado do PT, conhecido caçador de malfeitorias com dinheiro público - desde que cometidas pelas siglas adversárias. Dirigido à presidência do banco, o papel de Vacarezza andou de mão em mão até pousar na mesa de Castro Júnior.

Este declarou à sindicância que foi só então que fez uma descoberta fantástica: havia passado os últimos 18 meses, quando o contrato com as duas agências se encerrou, gastando dinheiro da instituição sem ter base legal para isso. Em sua defesa, Castro Júnior diz em diversos depoimentos que conversou várias vezes sobre o assunto com membros da direção do banco e assessores da presidência e ficou com a "impressão" de que eles já haviam sido prorrogados. O impressionismo do gerente pode ser estranho, mas tem lá sua razão de ser. Embora tenha até recomendado a renovação dos contratos, como se vê no inquérito, quem tem poderes para assiná-los são os diretores do banco. Já o presidente da Nossa Caixa afirma que foi informado pelo próprio Castro Júnior da situação apenas em junho de 2005, três meses mais tarde, durante jantar reservado no Hotel Braston, no centro da cidade. As versões sobre esse encontro são contraditórias.

Monteiro diz na sindicância que ficou chocado com a descoberta. Castro Júnior informa que, embora tenha recebido uma repreensão, o presidente chegou a mostrar-se compreensivo, ainda que tenha feito uma pergunta direta ao tentar saber se havia recebido propina das empresas beneficiadas.(O gerente negou.) O certo é que no dia seguinte Castro Júnior foi impedido por dois policiais de voltar à sua sala no banco. Não conseguiu mais ser recebido pelo presidente, acabou afastado das funções e suspenso até que, no fim do ano, foi demitido por justa causa. Hoje aciona o banco por causa disso.

O presidente da Nossa Caixa sustenta que o gerente era o único responsável pela renovação do acordo formal, mas o inquérito mostra que o contrato anterior, com as mesmas agências, foi assinado pelo diretor de logística do banco, e não pelo gerente. Monteiro aponta Castro Júnior como responsável pelas operações sem contrato, mas à sindicância interna admite que autorizou e aprovou patrocínios por e-mail e autorizou "verbalmente" gastos inferiores. Ele ainda admite que, mesmo sem poder formal de autorização, "opinava sobre a conveniência de determinadas campanhas".

Num depoimento à sindicância, Castro Júnior descreve um momento exótico do ponto de vista das finanças públicas. Conta que foi instruído a pagar R$ 70 mil como patrocínio de evento vinculado a um deputado governista na Assembléia. Regateou e conseguiu baixar o pagamento para R$ 40 mil. Ele ainda tentou discutir o prazo, em vez de entregar o dinheiro à vista, como pedia o parlamentar. Conta que estava em negociações quando Monteiro telefonou para dizer que deveria fazer "o pagamento o quanto antes". A data do pagamento coincidia com 15 de março de 2005, quando o PSDB enfrentava batalha duríssima - afinal perdida - para escolher o presidente da Casa.

Beneficiado por dois patrocínios da Nossa Caixa, de R$ 4 mil cada um, o deputado Afanásio Jazadji, do PFL, diz que foi discriminado. "Se o governo usasse um critério técnico, que é minha audiência, teria de anunciar muito mais." Ele é conhecido por suas críticas impiedosas ao sistema de segurança do Estado. "Por causa disso sou discriminado." O deputado conta que várias vezes foi procurado por emissários do governo que diziam que ele deveria "maneirar" nas críticas para receber mais anúncios. Ele afirma que numa conversa com Alckmin, ainda governador, este lhe disse que pretendia "prestigiá-lo". Afanázio interpretou isso como uma promessa de reforço nos anúncios públicos desde que se tornasse voz mais suave nas críticas ao governo. Após consulta da bancada na Assembléia, a assessoria do Palácio dos Bandeirantes nega que o governador e o deputado tenham tido um diálogo nesses termos.