Título: TV digital: debate ainda vai longe
Autor: Gerusa Marques
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2006, Economia & Negócios, p. B9

O debate sobre a implantação da TV digital no Brasil não termina com a escolha do padrão tecnológico que será adotado no País. Técnicos e políticos envolvidos na discussão prevêem, inclusive, que as divergências se tornarão mais acirradas. Isso porque, mesmo depois da opção tecnológica, será necessário definir um modelo mais completo, com regras para cada setor, envolvendo emissoras de televisão, empresas de telecomunicações, produtoras de conteúdo e a indústria de equipamentos.

Para pôr ainda mais lenha na fogueira, parte dessa discussão terá, necessariamente, de passar pelo Congresso, que deverá se preocupar com este assunto só em 2007, já que neste ano os parlamentares estão envolvidos com as campanhas eleitorais.

Mesmo que o governo chegue a um consenso sobre a tecnologia este ano, as emissoras só começarão a operar comercialmente no ano que vem. O diretor de Engenharia da Globo, Fernando Bittencourt, disse na semana passada, em debate no Senado, que as emissoras precisam de cerca de um ano para iniciarem a transmissão em sinal digital. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, também já admitiu que não dá mais para inaugurar a TV digital no dia 7 de setembro, de acordo com a idéia inicial.

O governo está pelo menos dois meses atrasado na escolha e ainda não dá sinais de que já se decidiu, uma vez que continua tentando negociar contrapartidas comerciais para o Brasil. Para correr atrás do prejuízo, o presidente Lula autorizou na sexta-feira uma viagem ao Japão de uma comitiva formada por Costa e pelos ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, e do Desenvolvimento Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan.

Entre terça e quinta-feira, eles serão recebidos por representantes do governo japonês e também com executivos da Sony, NEC, Toshiba e Panasonic (ver reportagem abaixo). Está em jogo a instalação no Brasil de uma fábrica de semicondutores, que é uma das exigências do governo brasileiro para a escolha do padrão de TV digital. Além do padrão japonês, o governo brasileiro estuda ainda os padrões europeu e, com menor chance, o americano.

Enquanto isso, o debate ainda está muito atrasado em questões fundamentais, como o detalhamento do modelo de negócios para as emissoras de televisão e empresas de telecomunicações, a distribuição de novos canais, os novos participantes, a multiprogramação e os planos para o desenvolvimento da indústria nacional. Esta última precisará inclusive de adaptações e de novos parques, para produzir os televisores digitais e as "caixinhas" que farão a conversão do sinal digital em analógico, permitindo o uso dos atuais aparelhos de TV.

Hélio Costa, que já demonstrou sua preferência pelo padrão japonês, sempre defendeu uma definição rápida, pelo menos do sistema de transmissão de sinais. O argumento dele é de que essa decisão pode ocorrer separadamente das demais, para garantir que a TV digital comece a ser implantada até dezembro. Com a permanência dele no Ministério das Comunicações, Costa terá mais tempo para participar dos outros processos que se seguirão à escolha do padrão, reforçando a sua influência na definição das propostas que serão encaminhadas ao Congresso.

Mas, nesse processo, ele deverá enfrentar de maneira mais explícita as opiniões divergentes de outros ministros, como Furlan, que está especialmente preocupado em criar possibilidades para o desenvolvimento da indústria nacional, e do ministro da Cultura, Gilberto Gil, que quer mais espaço para a produção cultural nacional. Tanto Furlan quanto Gil, ao contrário de Costa, têm mais simpatia pelo modelo europeu.