Título: Turismo espacial
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2006, Notas e Informações, p. A3

A viagem de ida e volta à Estação Espacial Internacional (ISS) foi um sucesso retumbante para o tenente-coronel Marcos César Pontes. Ele passou anos se dedicando a estudos e preparações físicas para fazer a viagem espacial e desincumbiu-se de suas tarefas com perfeição. Mas, para o Programa Espacial Brasileiro, a excursão à Estação Espacial nada significou. Não produziu nenhum avanço científico - as oito experiências feitas no ambiente de gravidade zero da ISS ou reproduziam o que fazem alunos de ciências no ciclo básico ou não eram prioritárias - e não deu impulso a um programa que está em animação suspensa há anos.

O passeio do coronel Pontes foi concebido pelo governo federal como uma peça propagandística a ser utilizada pelo presidente Lula em sua campanha reeleitoral. Foi esse o único propósito da antecipação da participação de um brasileiro na aventura espacial. Um astronauta brasileiro poderia ter feito parte de uma missão à ISS, sem custos extras, em 2009. Mas as eleições presidenciais são em outubro e um governo mobilizado para a reeleição não perderia essa oportunidade, mesmo ela custando a bagatela de US$ 10 milhões - com desconto de 50%.

E, com isso, uma maciça operação de propaganda apresentou o tenente-coronel Marcos Pontes como um pioneiro que desbravou o espaço em nome do Brasil justamente no centenário da grande façanha de Santos-Dumont - o primeiro vôo do 14 Bis.

Mas o que o vôo orbital do coronel pôs a nu foram as deficiências e o atraso do Programa Espacial Brasileiro, que o governo federal sistematicamente tem relegado a segundo plano na sua política - se é que ela existe - de desenvolvimento científico e tecnológico. Começa que o Brasil, depois do coronel Pontes, provavelmente não mandará outro piloto ao espaço exterior, a menos que, por excentricidade, algum governante compre a passagem por bons US$ 20 milhões. Acresce que essa não é uma atividade pioneira. Já foram para o espaço mais de 440 astronautas, de 36 nacionalidades diferentes. E os passageiros nas naves orbitais são exatamente isso: passageiros que pagam para ser conduzidos da Terra para a Estação e de volta.

Enquanto o governo se ocupava em ganhar dividendos eleitorais com o show de uma viagem espacial, o Programa Espacial Brasileiro - que poderia gerar conhecimentos que outros países não transmitem e preparar a indústria nacional para um salto de qualidade - era deixado à míngua.

O Brasil é um dos 16 países que participam do projeto da Estação Espacial Internacional. Deveria, há pelos menos cinco anos, ter entregue peças que ampliariam a Estação, no valor de US$ 120 milhões. Não faltou à indústria nacional capacidade técnica para produzir as peças - faltou o governo alocar os recursos necessários - e o Brasil só não foi excluído do projeto porque o acidente do ônibus espacial Colúmbia provocou atrasos de monta na construção da ISS. Mas a participação nacional no projeto foi substancialmente reduzida.

Mas esse não é o principal fiasco do Programa Espacial Brasileiro. O Brasil, a Índia e a China lançaram os seus programas quase que simultaneamente, há cerca de um quarto de século. A China tornou-se um importante centro lançador de satélites e foi o terceiro país do mundo a colocar um astronauta em órbita com seus próprios recursos. A Índia também tem capacidade própria para lançar satélites. O Brasil, no entanto, não conseguiu passar de algumas experiências malsucedidas de lançamento de um veículo lançador de satélites (VLS). O último VLS construído explodiu na plataforma da Base de Alcântara em agosto de 2003, matando 21 técnicos.

A comunidade científica brasileira fez críticas duras, porém objetivas, à viagem do coronel Pontes à ISS. Para o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Enio Candotti, foi uma "carona paga". Para o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, "o vôo de Marcos Pontes é na realidade uma grande jogada eleitoreira do governo". Para o biólogo Fernando Reinach, em artigo publicado no Estado, foi um desperdício de dinheiro escasso. Com os US$ 10 milhões, calculou, poderiam ter formados 290 doutores no Brasil ou 150 em universidades estrangeiras. Mas Lula não poderia se gabar de ter mandado alguém para o espaço.