Título: Vão abrir o cofre?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Os brasileiros têm bilhões de motivos para se preocupar desde já com 2007. O governo, ao que parece, decidiu abandonar até a encenação de austeridade. Os ministros da área financeira foram escalados para programar um ano de maior gastança e, por conseqüência, de impostos em alta, se quiserem remendar as contas do setor público. O projeto da próxima Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), segundo as últimas informações, será permissivo e tornará mais fácil atender às conveniências políticas do governo e de seus aliados. Será, portanto, uma peça desenhada para auxiliar a campanha de reeleição do presidente Lula e para permitir-lhe, em caso de vitória, um começo festivo de segundo mandato.

A LDO para 2007 não conterá limites para a despesa total nem para a carga tributária, segundo informaram na semana passada, em Brasília, fontes da área federal. Será abandonada, portanto, a orientação adotada em 2005. Segundo a LDO aprovada no ano passado, a despesa do governo central não poderá superar 17% do PIB, em 2006, e a carga tributária federal terá como teto 16%. O projeto para 2007 será enviado ao Congresso este mês, devendo ser aprovado até o fim de junho.

Técnicos do Executivo propuseram, segundo noticiou o Estado na edição de domingo, a adoção de tetos para gastos específicos e não mais para a despesa corrente global. A idéia pode até parecer um avanço, em termos de administração, porque envolve, na aparência, uma seleção qualitativa dos gastos. Mas pode representar, na prática, um afrouxamento do controle global da despesa, sem garantia de boa aplicação de recursos nos itens não sujeitos a limites.

Mas há, em Brasília, segundo a reportagem, alguma insegurança em relação à novidade. O "mercado", admite-se, poderá interpretar a mudança como sinal de afrouxamento da política fiscal. Quem se preocupa com essa reação está certo. O "mercado" e todos os cidadãos conscientes têm muitos motivos para desconfiar das intenções do governo.

Mesmo com o propalado pão-durismo do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, as despesas correntes continuaram crescendo nos últimos três anos. No máximo, a política do ministro serviu para impedir um descontrole maior. Outros ministros e políticos da base aliada sempre se queixaram até dos modestos objetivos fiscais propostos pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O governo apenas manterá, segundo confirmou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a meta de superávit primário de 4,25% do PIB para todo o setor público, válida até 2010.

Mas essa meta é insuficiente para uma política de efetivo ajuste fiscal e isso não é novidade. O próprio ministro Paulo Bernardo, juntamente com seu colega Palocci, havia proposto, há meses, uma meta bem mais rigorosa para os próximos anos. A idéia era fixar um prazo para a eliminação de todo o déficit fiscal. No fim, o superávit primário teria de cobrir toda a despesa financeira e não apenas uma parte dos juros.

A experiência do último ano e dos primeiros meses de 2006 confirmou o crescimento incessante das despesas primárias, isto é, do total de gastos com exclusão dos juros e da amortização da dívida pública. O primeiro trimestre deste ano trouxe resultados mais preocupantes.

Já há dúvidas, nesta altura, quanto à obtenção até do superávit primário fixado para 2006. Além de insuficiente para uma política austera, esse resultado passou a ser considerado duvidoso por analistas.

As dificuldades de aprovação do Orçamento Geral da União para este ano, os efeitos do novo salário mínimo e as pressões típicas de um ano de eleições tornam incerto o quadro fiscal dos próximos meses. O governo decidiu apressar a liberação de recursos, no primeiro semestre, porque haverá limitações legais a novos projetos no resto do ano. Mas nada garante a compensação desses gastos adicionais, no segundo semestre. O novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem demonstrado satisfação com o estado das contas públicas. Essa tranqüilidade é mais um motivo de preocupação para quem defende seriedade no uso do dinheiro público.