Título: 'Não somos tontos', adverte Kirchner
Autor: BUENOS AIRES
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2006, Economia & Negócios, p. B13

Um dia depois de estatizar a Aguas Argentinas, presidente diz que 'terminou com uma ofensa e uma injustiça'

O presidente argentino, Néstor Kirchner, criticou duramente ontem a empresa francesa Suez, concessionária dos serviços da Aguas Argentinas, que teve o contrato com o governo rompido na segunda-feira. Kirchner acompanhava a presidente do Chile, Michelle Bachelet, em visita à localidade de José C. Paz, na região metropolitana de Buenos Aires, onde o governo subsidia a construção de casas em sistema de cooperativas mantidas por desempregados.

"Estão há 15 anos na Argentina e é preciso rezar para ter uma gota de água", disse Kirchner sobre o Grupo Suez, com quem rompeu por "irregularidades na prestação de serviços". "Por 15 anos lucraram milhões. Terminamos com uma ofensa e uma injustiça. Queremos que os empresários ganhem e que tudo corra bem para eles. Mas não pensem que somos tontos."

As irregularidades citadas pelo presidente argentino se referem a um aumento da concentração de nitratos na água distribuída à população. O Grupo Suez e o governo argentino negociaram por vários meses para tentar uma conciliação até chegar ao desfecho de ontem.

Uma nova estatal, a Aguas e Saneamento Argentinos (Aysa) substituirá a Aguas Argentinas - é a segunda estatal criada por Kirchner. A primeira foi a Enarsa, no setor de energia. Com um discurso nacionalista, o presidente defende a reestatização dos serviços públicos no país. Ontem, o governo lançou um programa de investimento de mais de 400 milhões de pesos (US$ 129,03 milhões) para 2006 e 2007.

O secretário de Obras Públicas, Gustavo López, informou que, para solucionar o problema de excesso de nitrato observado no fornecimento de água da periferia de Buenos Aires, "será anunciado na próxima semana um investimento de 243,5 milhões de pesos (cerca de US$ 78,54 milhões) que compreende a convocação para licitação da segunda rede de água Lanús-Temperley" e outras obras na região. Ele disse que a nova estatal deve entregar, dentro de 20 dias, um plano de investimentos para os próximos 5 anos.

DEFESA

O Grupo Suez era acionista majoritário da Aguas Argentinas, com participação de 40%, seguido por Aguas de Barcelona, com 25,01%. Participavam ainda a Vivendi (7,6%), o argentino Banco de Galicia (8,2%), a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial (5%), Anglian Water (4,2%) e os funcionários da empresa (10%). A Aysa terá 90% do que era a Aguas Argentinas - os 10% restantes continuarão com funcionários da empresa.

As tarifas de todos os serviços públicos estão congeladas desde 2002, ano da desvalorização do pesos e do fim da conversibilidade. Para evitar uma disparada da inflação e com o objetivo de adaptar os contratos com as concessionários dos serviços públicos, Néstor Kirchner assumiu o governo em 2003 com a ordem de renegociar todos os contratos. As negociações com as empresas continuam, algumas mais adiantadas, outras travadas, como ocorreu com Aguas Argentinas.

Em comunicado distribuído logo após o anúncio do governo, a Aguas Argentinas negou as acusações e disse estar fazendo "um trabalho exemplar". Esclarece ainda que executou o trabalho para o qual foi contratada, "tanto de melhoria quanto de expansão de serviços", e que investiu no país US$ 1,7 milhão.

No ano passado, o Grupo Suez havia manifestado sua intenção de deixar o país mas ainda tentava chegar a um acordo com o governo. Em janeiro, a assembléia de acionistas da empresa estabeleceu uma data para a retirada do grupo, para que fosse feita uma "transição ordenada" aos novos gerentes do serviço.

O contrato da empresa francesa com o governo argentino foi assinado em 1993, por 30 anos, para a concessão dos serviços de água e esgotos para 11 milhões de habitantes de Buenos Aires e 17 distritos da região metropolitana da capital argentina.