Título: Análise UE se protege de si mesma
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2006, Economia & Negócios, p. B6

Pois vejam, a União Européia (UE) virou um campo de batalha contra o ... protecionismo interno! Estão impedindo que um país da comunidade invista em outro país do próprio bloco alegando questões de soberania nacional! Até parece que andaram aprendendo com a gente aqui no Brasil...

Não deixa de ser curioso que a UE, que sempre liderou o protecionismo contra países fora do bloco regional, tenha sido contaminada pela sua própria doença. E a briga, agora, é oficial.

O tema, já debatido há alguns meses, entra na pauta da reunião dos ministros da Economia da comunidade que se inicia hoje, em Bruxelas. O Reino Unido (UK), a Itália e a Holanda vão entrar com uma denúncia de "protecionismo" contra investimentos inter-países da comunidade. É um pretexto formal contra o governo de países, principalmente França e Alemanha, que impedem aquisições, fusões, ou qualquer tipo de união entre suas empresas e de outros membros da comunidade européia. A união é de todos, mas ninguém entra aqui...

A Itália é a mais prejudicada, pois o governo francês inviabilizou e proibiu que a Enel adquirisse o controle da Suez, uma empresa franco-belga controlada pela Gaz de France (GDF). A Enel retirou a proposta inicial - mas vai voltar à carga por outros caminhos.

É UM ABSURDO!

Quem afirma isso é o presidente da Comissão Européia, José Manoel Barroso, ao Financial Times de ontem. É urgente que os líderes dos 25 países membros acabem de uma vez com essa conversa absurda de "nacionalismo econômico".

"Somos uma união de países, custamos para chegar onde estamos e não podemos pôr tudo a perder, imitando o que condenamos nos outros. Por definição, não podemos aceitar nacionalismo (na Comunidade Européia). Não podemos construir barreiras uns contra os outros num mercado comum - isso seria um absurdo", afirma ele, categórico. É o começo do fim...

UMA NOVA LINHA MAGINOT

Só que o absurdo está aí. A França proibiu, de fato, qualquer tipo de operação que tire o governo do comando de suas empresas. Charlie McCreevy, comissário (ministro) para Assuntos Internos, pediu que esses investimentos fossem revelados logo, pois, se se tornarem inviáveis, podem acabar saindo da Europa.

McCreevy foi até irônico. "A França quer formar uma linha Maginot (construída em vão para impedir a invasão alemã na 2ª Guerra) política em torno da sua economia." Ele insiste para que o governo francês decida logo o que pretende proteger, "o que classificam como setor estratégico", para que as empresas interessadas façam suas propostas, mas não podem continuar bloqueando aqui e ali. Afinal, isto é ou não é uma Comunidade Econômica Européia?

O tema mais polêmico, por enquanto, está no setor de energia, a começar pelo gás, esse mesmo que os chineses acenam para os Estados Unidos. E, aqui, o ministro das Relações Exteriores da Áustria foi categórico. Mas o que está acontecendo? "Adotar uma política energética comum, concreta, realista, para dinamizar a nossa economia não é uma das nossas metas principais?"

E A GLOBALIZAÇÃO CHEGOU

No fundo, é a globalização dando os seus primeiros sinais na Europa, obrigando-a a modernizar-se, a entrar no século 21. Só que, paradoxalmente, essa terrível ameaça da globalização veio de dentro da própria comunidade. É uma novidade desagradável que assusta até grandes conglomerados. A ThyssenKrupp já disse que não quer vender a sua unidade de produção de partes de carro, informa o Wall Street Journal, e, acreditem, a Lufthansa diversifica as atividades.

Outras, mais esclarecidas, preferem buscar novos mercados, e olham para a China, a Ásia e o novo Japão, adaptando-se e tirando proveito do processo de integração econômica e financeira globalizada.

Estudos da OMC e, coincidentemente, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atribuem o atual desempenho excepcional e positivo da economia mundial ao aumentos dos fluxos comercias - bem superior a US$ 7 trilhões - e à internacionalização das grandes empresas. E a Europa, que já estava se fechando para outros países, começa a fechar-se dentro de si mesma. É um processo novo e crescente, difícil de superar. Mesmo unificada, a Eurozona é dominada por apenas duas nações, a França e a Alemanha, que representam mais da metade do PIB. Essa é a principal razão pela qual vem mantendo crescimento médio de 2,3% a 2,5% nestes anos de estagnação comunitária e liderando a atração de investimentos.

E LÁ VAMOS NÓS!

A seguir neste ritmo, algo muito bizarro poderá acontecer logo. Como as grandes empresas brasileiras estão indo investir no exterior - US$ 1,7 bilhão só em fevereiro! - logo mais o Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento começarão a receber queixas de empresas, não mais contra o protecionismo externo francês, mas interno.

Serão empresas que pedirão apoio do governo porque querem investir na Europa, ou já estão lá e desejam expandir-se no continente, mas encontram a barreira européia. Imaginem só a ironia de um cenário: queremos investir lá - e se queremos! - mas os europeus não deixam... não vai ser engraçado?

É, mas pode acontecer.