Título: 'Brasil vive um período de vôo de galinha'
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2006, Economia & Negócios, p. B5

Em seminário no Conselhão, Conceição Tavares e outros economistas atacam juro alto e crescimento baixo

Os juros altos e o baixo crescimento econômico foram o centro das críticas do seminário Agenda Nacional de Desenvolvimento, realizado ontem pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Guido Mantega, defendeu a aceleração do corte na taxa básica de juros (Selic) e o economista João Paulo dos Reis Velloso falou sobre a "síndrome macroeconômica" que se abateu sobre o País. A economista Maria da Conceição Tavares alertou que o País vive um período de "vôo de galinha e regressismo neoliberal".

A proposta do seminário, segundo o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, era "destravar o debate" sobre o crescimento econômico. Por isso, a taxa de juros tornou-se o foco das discussões. "O CDES, como espaço livre de participação dos conselheiros da sociedade civil, não tem a obrigação de trabalhar na agenda do governo e muito menos de concordar com a orientação do governo", disse. "A economia não é ciência exata, estamos fazendo o debate exatamente para contribuir com a reflexão daqueles que conduzem a economia."

Questionado se havia clima político para uma discussão desse tipo diante da crise que envolve o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, Wagner respondeu que o CDES fazia um debate de médio e longo prazos. "Não estou discutindo a taxa de juros de ontem ou de amanhã", disse, acrescentando que Reis Velloso e Maria da Conceição fizeram comentários sobre os juros também nesse contexto. "Quem quiser ler como debate conjuntural pode ler. Eu estou muito à vontade e acho que estamos discutindo o futuro do País."

Mantega avaliou que os juros poderiam cair em ritmo mais rápido, lembrando que, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), três diretores do Banco Central (BC) votaram a favor de um corte mais forte na Selic. "Estou com esses diretores." O tom das críticas, porém, foi mais moderado que o habitual. "A política econômica foi efetiva em proporcionar um crescimento mais robusto."

Ex-ministro do Planejamento, Velloso avaliou que o País vive uma "síndrome macroeconômica", na qual um conjunto de "anomalias" - como alta taxa de juros, crescimento das despesas, aumento da carga tributária, valorização do real e alto nível da dívida como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) - se interliga. Na sua avaliação, a economia brasileira vive em uma situação de "Prometeu acorrentado" (personagem da mitologia grega que, por ter ensinado aos homens o segredo do fogo, foi acorrentado a um penhasco e condenado a ter seu fígado devorado todos os dias por um abutre).

A saída da síndrome, acrescentou, começa com a queda da Selic dentro de novas condições macroeconômicas, que envolvem a fixação de limites para todos os tipos de despesas do governo. Ele defendeu também uma ampla difusão de conhecimento, o que colocaria o País na mesma trilha de países como Rússia, Índia e China.

"Deus nos livre e guarde, não nos faltava mais desgraça nenhuma!", rebateu Maria da Conceição, ao comentar a perspectiva de o Brasil se transformar em uma Índia ou uma China. A economista investiu ainda sobre a defesa de Velloso a favor de maior ajuste fiscal, lembrando que o nível de déficit nominal no País já é inferior ao fixado em Maastricht (o acordo que fixa metas macroeconômicas para os países da União Européia). A prioridade do governo, disse, deve ser o resgate da dívida social.

O seminário teve a presença do professor da Universidade de Cambridge Ha-Joon Chang, especialista em Comércio Exterior. Em entrevista ao Estado publicada segunda-feira, ele recomendou que o País aceite um nível de inflação mais alto, abrindo caminho para reduzir o juro e crescer mais rapidamente.