Título: Entrem na fila, ilegais Artigo
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2006, Internacional, p. A13

O debate sobre a imigração no Senado americano afundou na sexta-feira, numa intensa batalha partidária em torno de questões de procedimento. E agora os legisladores deixaram Washington para um recesso de duas semanas. Mas o assunto não está morto. O compromisso substancial alcançado dias antes continua de pé, merecendo forte apoio - se os democratas e republicanos ao menos deixassem as rixas de lado e se concentrassem na questão.

A palavra "compromisso" normalmente é sinal de problema - uma segunda opção forjada numa negociação, raramente tão satisfatória quanto a primeira escolha de qualquer das partes. Mas o compromisso de imigração oferecido pelos senadores republicanos Chuck Hagel (Nebraska) e Mel Martinez (Flórida) é ótimo negócio: uma habilidosa resposta a um dilema moral diabolicamente difícil que não só tem peso político - antes do colapso de sexta-feira, esperava-se que a medida reunisse cerca de 70 votos -, mas também pode funcionar e resolver o problema.

Os 12 milhões de imigrantes ilegais que vivem e trabalham nos EUA sempre representaram o maior desafio para os defensores de reformas na imigração. Ninguém quer encorajar ou recompensar o comportamento ilegal. Mas ninguém que pense seriamente na questão acredita que a maioria dessas pessoas vá voltar a seus países, não importando quanto dificultemos suas vidas impondo a lei com mais rigor. Assim, para nosso bem - por razões econômicas e de segurança e para restaurar a ordem -, precisamos encontrar uma maneira de trazê-las para o lado certo da lei.

A proposta concebida pelos senadores John McCain (republicano do Arizona) e Edward M. Kennedy (democrata de Massachusetts) exigia que os imigrantes conquistassem o direito de sair das sombras, provando, o desejo de se tornar americanos. Mas isso não satisfez os conservadores defensores da lei e da ordem, que queriam manter as regras e ponto final - sem tratamento especial nem isenções, não importando quanto custasse. Então surgiram Hagel e Martinez, decididos a encontrar uma resposta que atendesse às preocupações dos defensores da lei e lidasse de modo realista com o vasto submundo dos ilegais.

A idéia central da proposta de Hagel e Martinez é exatamente o que os conservadores da lei e da ordem exigem há tempos: que os imigrantes ilegais se submetam ao domínio da lei - que entrem na fila, atrás dos que jogam conforme as regras e esperam pacientemente em seus países, e compensem o que fizeram de errado fazendo tudo de novo dentro da lei.

A proposta divide os imigrantes ilegais em três grupos: os 1,5 milhão que entraram nos EUA desde janeiro de 2004; os cerca de 3 milhões que estão no país há mais de dois anos e menos de cinco; e os 7 milhões que estão há cinco anos ou mais, muitos há várias décadas.

Os membros do primeiro grupo - recém-chegados com poucas raízes nos EUA, ou nenhuma - teriam de deixar o país e esperar a vez de ser admitidos no programa de trabalhadores temporários criado pelo projeto de lei. Os do segundo grupo - podemos chamá-los de indocumentados de curto prazo - também sairiam, mas poderiam voltar aos EUA imediatamente como trabalhadores temporários e pedir green cards (embora o processo fosse mais demorado que a solicitação a partir de outro país).

Essa abordagem em duas camadas é prática, pois reconhece que algumas pessoas serão mais propensas que outras a atender à exigência de voltar para casa e busca reduzir ao mínimo o rompimento de famílias e empresas nos EUA. Mas o ponto é que não há isenções para os trabalhadores em nenhuma das duas categorias.

Os membros do terceiro grupo - os residentes de longo prazo - são a exceção. Seu caminho é mais fácil: eles não precisam voltar a seus países e podem ganhar o green card por bom comportamento - registrando-se nos órgãos governamentais, submetendo-se a uma checagem de antecedentes, pagando uma multa e todos os impostos atrasados e então trabalhando e aprendendo inglês por seis anos, enquanto esperam na fila atrás de todos os estrangeiros que fazem solicitações a partir do exterior.

É verdade que este caminho é menos difícil que o oferecido aos indocumentados de curto prazo. Mas está longe da anistia: desde quando apresentar-se às autoridades, reconhecer um crime, pagar uma multa e viver no limbo legal por seis anos representa um perdão total?

Além disso, sem dúvida é de nosso interesse enquanto nação levar em conta a situação dessas pessoas: o fato de terem criado raízes e investido em suas comunidades, muitas vezes comprando casas e abrindo empresas, casando-se com americanos e tendo filhos que são cidadãos dos EUA.

Os críticos afirmam que a proposta não é prática, pois os imigrantes não deixarão o país voluntariamente e, mesmo se o fizerem, processá-los será um pesadelo burocrático. No entanto, ambas as objeções erram o alvo. Uma sondagem recente entre os imigrantes ilegais realizada pelo pesquisador Sergio Bendixen indica que eles fariam quase qualquer coisa para conquistar status legal. E, segundo Bendixen, muitos disseram que voltariam brevemente a seus países se o retorno fosse garantido. Quanto à logística dos processos, será que os críticos contestariam alguma outra iniciativa de imposição da lei ou medida de segurança por razões de dificuldade administrativa? Certamente não.

O compromisso Hagel-Martinez é muito mais que uma segunda opção. É o equilíbrio que procurávamos fazia tempo - uma resposta prática e dura, mas também humana, a um dos problemas mais complexos que enfrentamos como nação.

*Tamar Jacoby, especialista em imigração do Instituto Manhattan de Pesquisa Política, escreveu para o 'Los Angeles Times'