Título: Imigrantes saem em 60 marcha
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/04/2006, Internacional, p. A13

Oriundo da Nicarágua, Rodrigo Moreno, de 34 anos, marchou ontem em Washington pela legalização dos 12 milhões de imigrantes ilegais trajando seu uniforme de policial da Guarda Nacional da capital americana. "Eu já fui um imigrante ilegal e estou aqui de uniforme para mostrar que nós todos servimos a este país."

Juan e Luz Morales, salvadorenhos, tinham 20 anos quando cruzaram a fronteira do México e entraram nos EUA cinco anos atrás. Ele trabalha como entregador, ela, em restaurante. Ambos estão em situação irregular. Acompanhados por parentes e amigos da grande comunidade salvadorenha da cidade, eles compraram duas bandanas com a bandeira americana, antes de engrossar a multidão de dezenas de milhares de pessoas que convergiu ontem à tarde ao obelisco em homenagem a George Washington, o primeiro presidente dos EUA. "Não somos criminosos, somos trabalhadores e queremos ser parte deste país", disse Luz.

A passeata na capital americana foi uma das mais de 60 manifestações do tipo realizadas ontem em todo o país, num fenômeno que, segundo o jornalista Juan Williams, historiador do movimento dos direitos civis dos anos 50 e 60, já assumiu os contornos do movimento que encerrou a era da discriminação aberta contra os negros americanos e poderá ter o mesmo impacto transformador. "Esta é uma nova versão do sonho do dr. Martin Luther King", afirmou a septuagenária Gladis Orrala, nascida no Equador. Nos EUA há mais de 30 e americana naturalizada, Gladis esperava por amigos, segurando um par de bandeiras dos EUA. As bandeiras dos países de origem dos imigrantes, que enfeitaram as gigantescas manifestações duas semanas atrás, foram substituídas por um mar de bandeiras americanas.

"Se o Congresso não aprovar uma lei que permita às pessoas regularizar sua situação, no 1º de maio vamos fazer um boicote nacional ao comércio para mostrar a força dos latinos neste país", disse Gladis. A Liga dos Cidadãos da América Latina Unidos (Lulac) prepara uma ação punitiva aos produtos da cervejaria Miller, para castigá-la pelo apoio que dá ao deputado republicano James Sensenbrenner, de Wisconsin, o autor do projeto de lei aprovado pela Câmara em dezembro que criminaliza a imigração ilegal.

O salvadorenho Pablo García, de 39 anos, que já foi imigrante ilegal, disse que veio de Rockvile, em Maryland, em solidariedade. Com a bandeira americana e vestindo uma camiseta amarela com a inscrição Brasil - "por causa do futebol" -, ele disse que era primeira vez que ia a uma manifestação. "Vim aqui para protestar contra essa lei que trata os imigrantes como animais", disse, referindo-se ao projeto de Sensenbrenner.

Vários manifestantes disseram ao Estado que sua motivação para marchar foi o desejo de reagir à iniciativa de Sensebrenner e à falha do Senado, na semana passada, em aprovar uma proposta bipartidária de reforma das leis de imigração, que abriria o caminho para a legalização da situação dos imigrantes. Um das faixas da passeata de ontem resumia a advertência do movimento aos políticos. "Na semana passada, vocês votaram contra nosso futuro; em novembro, nós votaremos o seu futuro", dizia a inscrição, referindo-se às eleições legislativas de novembro. Uma outra faixa lembrava, com bom humor, a origem estrangeira da esmagadora maioria dos americanos: "E vocês, peregrinos, nos chamam de imigrantes?"

Maior minoria étnica dos EUA, com mais de 36 milhões, os latinos já representam perto de 10% do eleitorado e têm peso decisivo na definição dos resultados em vários Estados.

Outros disseram que estavam reagindo ao sentimento antiimigrante do pós 11 de Setembro, que fez muitos latinos sentirem-se tratados como bodes expiatórios. Héctor Flores, o presidente da Lulac, resumiu a motivação dos manifestantes na marcha de 500 mil que atravessou o centro de Dallas. "Não estamos pedindo anistia, estamos pedindo respeito", disse. "Entre os que atacaram o país no 11 de Setembro não havia nenhum Rodríguez, González, ou García, mas há muitos deles entre os soldados que retornam mortos do Iraque."