Título: Por alunos, faz-se qualquer negócio
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2006, Vida&, p. A18

Bolsas não são dadas mais só aos carentes. Faculdades ampliam leque de requisitos para conceder descontos

Com quase 50% das vagas não preenchidas no ensino superior privado, universidades e faculdades oferecem todo tipo de descontos em mensalidades para conseguir mais alunos. O benefício não é dado apenas aos que comprovam carência. Quem traz um amigo para estudar na instituição ganha 10%, dois amigos, 20%, dez amigos, 100%. A transferência de uma universidade para outra também é premiada. E é difícil encontrar instituição particular que não tenha convênios com sindicatos, associações ou empresas. Basta o estudante estar ligado a uma entidade parceira para pagar menos.

"O aumento da competitividade do setor nos últimos anos fez o valor da mensalidade passar a ser um diferencial na disputa", diz o vice-presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), Valmor Bolan. O número de instituições no ensino superior privado brasileiro cresceu 182% entre 1994 e 2004, segundo os números mais recentes do Ministério da Educação (MEC). São atualmente 1.789 no País. Elas oferecem, por ano, mais de 2 milhões de vagas nos vestibulares, mas apenas 1 milhão de alunos ingressam nas instituições. "O preço é mais fácil de mostrar, mas quem não investir em qualidade vai acabar fechando", completa Bolan.

Na Universidade São Marcos, foram criadas as figuras do "padrinho" e do "afilhado". Já são cerca de 600 padrinhos, ou seja, alunos que trouxeram amigos para estudar na instituição. Eles podem retirar material de divulgação da escola e ganham descontos proporcionais ao número de novos estudantes que indicam.

Carlos Alberto Barbosa, de 19 anos, já cursava Administração na São Marcos quando soube do benefício e resolveu indicar a universidade para um amigo. "Fui até junto no dia do vestibular." O colega passou no exame e ele ganhou 10%. "Ficaria muito difícil estudar se não fosse isso."

TABELAS DE DESCONTO

Melhor ainda se sai quem é novo na instituição. "Os calouros têm mais amigos na idade do vestibular, então oferecemos desconto tanto pra quem indica quanto para quem chega", explica a assessora de Atendimento da instituição, Ana Lúcia Venâncio. "Não acredito que só o bônus traga o aluno, a imagem da universidade também conta", afirma a diretora de Extensão da São Marcos, Beatriz Bernardes.

Na Faculdade Anglo Latino, 50% dos mil alunos recebem algum desconto. A instituição, que oferece apenas cursos noturnos para um público essencialmente de baixa renda, tem convênios com 120 associações, sindicatos e empresas. "Os alunos não podem pagar a mensalidade inteira e a faculdade não sobrevive se não der descontos", diz a relações públicas da instituição, Darci Gertrudes.

A Faculdade de Administração e Ciências Contábeis Luzwell dá 20% de abatimento ao aluno transferido de outras faculdades e de 5% aos que indicarem dois parentes para a escola. Para alunos que queiram fazer um novo curso, os descontos atingem 40% sobre o valor da mensalidade e, para quem destrancou a matrícula, há o abatimento de uma das 12 mensalidades. Os descontos, no entanto, são cancelados caso o aluno indicado não pague as mensalidades em dia ou desista do curso.

Para o vice-presidente do Crub a competição é "natural", mas se houver dumping (prática de preço abaixo do custo e, por isso, uma concorrência desleal) é preciso punição. Segundo ele, a média do valor das mensalidades no País é de R$ 425, mas o custo de cada curso varia por causa da necessidade ou não de laboratórios, existência de hospital escola, necessidade ou não de haver pesquisa e pós-graduação. "O aluno não pode escolher a universidade pelo preço, é preciso checar corpo docente, estrutura, currículo", diz.

Em Taubaté, interior do Estado, a nova instituição da cidade tem oferecido mensalidades 40% mais baixas que a principal concorrente. "Não vou competir pelo preço e sim pela qualidade", diz o reitor Nivaldo Zolnner, da Universidade de Taubaté (Unitau), onde estudou o governador Geraldo Alckmin. A Faculdade Comunitária de Taubaté (FAC) fez seu primeiro vestibular neste mês e vai oferecer dez cursos de graduação, todos nas mesmas áreas de atuação da Unitau. Além da mensalidade, a instituição oferece também descontos na compra de livros didáticos.

Outro exemplo é o da União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (Uniesp), uma rede de faculdades pequena até alguns anos atrás e hoje presente em São Paulo, Marília, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Presidente Epitácio, Guararapes, Mirandópolis e Birigüi. Para enfrentar a concorrência de instituições tradicionais, a faculdade fez acordo com o Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado de São Paulo (Sindasp) e concede descontos de até 50%. Segundo seu presidente, Cícero Sarney dos Santos, dos 3 mil associados, 600 usam o benefício

PROPAGANDA

Uma busca rápida na internet mostra que todo tipo de entidade, pública ou privada, e inúmeras empresas, nacionais ou multinacionais, fazem esse tipo de convênio para descontos. A contrapartida da conveniada é fazer propaganda da universidade para seus funcionários ou associados, disponibilizando panfletos ou incluindo o benefício em sua comunicação interna.

Wagner José de Oliveira, de 23 anos, tem 20% de desconto na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) graças ao convênio com a empresa em que trabalha. "É um incentivo para os funcionários estudarem", diz.

Instituições de ensino privadas tradicionais, como Fundação Getulio Vargas (FGV) e Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), não oferecem esse tipo de desconto e dão apenas bolsas para alunos carentes.

Segundo o secretário de formação do Sindicato dos Bancários de São Paulo, André Luiz Rodrigues, que tem convênio com 50 instituições para seus filiados, não há como fazer uma checagem da qualidade do ensino oferecido. "Nosso maior critério é a procura do bancário, precisa haver sindicalizado interessado em cursar aquela universidade", diz.