Título: ETA anuncia fim da luta armada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2006, Internacional, p. A14

Organização separatista basca propõe discutir a paz, o que pode acabar com 40 anos de atentados

A ETA (a sigla para Pátria Basca e Liberdad e em basco) declarou ontem um "cessar-fogo permanente" a partir de amanhã. Caso se confirme, será o fim de 40 anos de sangrenta luta pela independência do País Basco. No documento lido por seus líderes, o grupo, considerado terrorista pela Espanha, União Européia e EUA, afirma o que classifica de seu "compromisso de continuar dando passos para a paz". E chama o governo da Espanha a reconhecer os resultados de seus esforços "sem nenhum tipo de limitação". O texto conclui afirmando que a "superação do conflito é aqui e agora possível". Horas depois, num segundo comunicado, o grupo especifica que a trégua começará à zero hora de amanhã, com o objetivo de "impulsionar um processo democrático ... para que, mediante o diálogo, a negociação e o acordo, o povo basco possa realizar a mudança política de que necessita".

O primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero foi informado pela manhã pelo Centro Nacional de Inteligência. Ele se comunicou imediatamente por telefone com o governador do País Basco, Juan Ibarretxe, e com o líder do oposicionista Partido Popular, Mariano Rajoy. O líder do PP advertiu Zapatero para que não faça nenhuma concessão ao "grupo terrorista". Rajoy se opõe a qualquer tipo de negociação com a ETA e chegou a liderar em 2005 uma manifestação contra um acordo, que reuniu 200 mil pessoas em Madri. Já a vice-primeira-ministra María Teresa Fernández classificou a notícia de "boa para todos os espanhóis", mas ressalvou: "Precisamos ser mais prudentes do que nunca."

A decisão tem dois aspectos importantes. O primeiro é o da segurança. Os espanhóis podem respirar mais aliviados. Estariam livres dos temores de atentados dos separatistas bascos, que em quatro décadas deixaram 851 mortos. O segundo é no plano político. Caso um acordo permanente se materialize, o socialista Zapatero poderá usufruir de grandes dividendos: o fato de ter pacificado o país e ao mesmo tempo enterrado os movimentos separatistas (promessas de campanha dele) em todo o território espanhol.

Zapatero havia obtido do Parlamento, controlado pelos socialistas, sinal verde para estabelecer contato com a ETA. Isso gerou rumores segundo os quais o governo estaria mantendo negociações secretas com os separatistas - sempre negados por Zapatero. Mas, no dia 10, o chefe de governo expressou "grande convicção" de que o fim da ETA estava muito próximo, o que intensificou as especulações sobre contatos secretos. Sentindo o momento histórico, Rajoy, embora adversário de um acordo por princípio, parece não querer ficar fora do processo. "Conversaremos de novo sobre isso", disse ele ao comentar o telefonema que recebeu de Zapatero. Ele insistiu que o governo não deve dar nada em troca aos "terroristas".

A ETA marcou a política espanhola nas últimas décadas. Embora indiretamente, o movimento foi responsável pela perda de hegemonia política na Espanha do Partido Popular. Rajoy foi derrotado por Zapatero nas eleições de março de 2004 porque o então primeiro-ministro conservador José María Aznar tentou implicar os separatistas nos atentados do dia 11 daquele mês em Madri, que deixaram 191 mortos, quando a autoria era de terroristas islâmicos vinculados à Al-Qaeda. Essa manobra para ganhar indecisos reverteu o resultado do pleito que, de acordo com as pesquisas, seria favorável ao PP.

Uma experiência semelhante fora vivida em meados dos anos 90 pelo então primeiro-ministro socialista Felipe González, que teve sua posição enfraquecida por envolvimento de ministros seus com o GAL - um esquadrão antiterrorista ilegal, acusado de assassinar 28 dirigentes e militantes da ETA. Esse foi um dos fatores que pesaram na vitória do Partido Popular nas eleições de 1996.

A decisão da ETA foi aplaudida por Gerry Adams, líder do Sinn Fein, o braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA). O IRA abandonou a luta armada em 1998, dando início a um processo de paz entre católicos e protestantes da Irlanda do Norte: "A ETA está oferecendo uma oportunidade de proporções históricas para resolver o conflito no País Basco."

Faz mais de dois anos que a ETA cometeu seu último atentado mortífero. Mas nos últimos meses desencadeou intensa campanha de intimidação e extorsão de empresários bascos, para arrecadar o que definia como "imposto de guerra". O grupo vinha perdendo sua capacidade operativa em razão da intensa pressão policial e do cerco judicial a seu esquema financeiro. O último grande golpe na ETA foi a prisão em 3 de outubro de 2004 de Mikel Albisu, seu líder máximo.