Título: Dez mil lembram 10 anos de chacina
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2006, Nacional, p. A6

Às 5 horas da tarde de ontem, um grupo de quase 200 jovens interditou a Rodovia PA-150, no trecho conhecido como Curva do S, entre Eldorado dos Carajás e Marabá, no sul do Pará. Dançando, cantando e gritando palavras de ordem contra o latifúndio, o agronegócio e o imperialismo, os jovens, provenientes de assentamentos e acampamentos do Movimento dos Sem-Terra (MST), mantiveram o trânsito paralisado durante 19 minutos - um minuto para cada um dos 19 trabalhadores rurais assassinados naquele mesmo local no dia 17 de abril de 1996.

A paralisação da rodovia faz parte da série de manifestações que o MST programou para lembrar a passagem dos 10 anos do massacre e cobrar urgência na execução da reforma agrária. Hoje, na mesma Curva do S, será realizado um ato de protesto para o qual são aguardadas pelo menos dez mil pessoas, segundo a direção estadual do MST. O secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, deverá participar da manifestação, representando o governo federal.

PUNIÇÃO

Além de Eldorado dos Carajás, estão previstas manifestações de protesto contra o Judiciário em várias capitais, entre elas Belém, Brasília, São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro. Os manifestantes vão pedir punição para os responsáveis pelo massacre, já que, decorridos dez anos, ainda não existe nenhuma sentença definitiva sobre o caso e nenhum dos acusados se encontra preso.

Os jovens que ontem paralisaram a rodovia estão acampados ao redor da Curva do S desde o dia 1º. Nestas duas semanas, além de participarem de atividades artísticas e culturais e de receberem aulas sobre sexualidade, eles debateram temas relacionados à violência no campo e participaram das chamadas jornadas socialistas. "As jornadas servem para a divulgação de valores socialistas e para ensinar como vivê-los no dia a dia", explicou Maria Raimunda César, que faz parte da coordenação nacional do MST e ajudou a coordenar o acampamento de jovens.

As prefeituras da região ajudaram o MST a montar o acampamento. Ontem, enquanto um carro pipa da prefeitura de Eldorado servia água limpa aos acampados, um caminhão enviado pela prefeitura de Parauapebas (PA) transportava o gerador elétrico de um assentamento do MST na região para atender ao ato público marcado para hoje. O município de Eldorado, que tem cerca de 30 mil habitantes, decretou feriado hoje.

Ontem, o jovem Ivagno Silva Brito, de 23 anos, da coordenação do acampamento, lembrou que o massacre teve enorme impacto na opinião pública do País e do exterior e atraiu simpatias para a causa dos sem-terra, mas não provocou mudanças significativas no sul do Pará. "A concentração da propriedade da terra continua elevadíssima, a violência ainda é grande e os assentamentos só surgem depois de muita luta, freqüentemente com mortes", disse.

"Nenhum governo fez assentamentos por vontade. Eles só agem depois de muita pressão. O governo do presidente Lula não tem sido diferente, apesar das expectativas que os sem-terra depositavam nele", prosseguiu. Os pais de Ivagno estão assentados, mas, como a terra é pouca, os filhos saíram para novos acampamentos do MST, em busca do seu próprio lote de terra. Ivagno foi para o Acampamento Lourival Santana, que fica na beira da PA-150, a poucos quilômetros da Curva do S.

Para ele, as coisas só vão melhorar significativamente para os trabalhadores rurais e urbanos quando eles conseguirem pôr abaixo o sistema capitalista neoliberal. "A concentração de terras é apenas mais uma das demonstrações da perversidade desse sistema. O que nós defendemos é uma sociedade mais igualitária."