Título: 'Os frutos não se colhem em um ou dois anos e sim em uma geração'
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2006, Vida&, p. A10

Maria Lucia Vasconcelos, secretária estadual de EducaçãoEntrevistaA nova secretária de Educação do Estado de São Paulo, Maria Lucia Vasconcelos, é educadora, e não política. Elogia com a mesma franqueza tanto o Programa Universidade para Todos (ProUni) do governo federal como a iniciativa do Estado de abrir as escolas nos fins de semana. Não é filiada a partido, mas simpatiza com o PSDB. "Sou lembista, e não pefelista", brinca, referindo-se a Cláudio Lembo (PFL), a quem chama de professor, não de governador.

Os dois trabalharam juntos na Universidade Mackenzie, onde ainda é professora de pós-graduação. Apesar de ter se formado pedagoga e ser doutora pela USP, sua vida acadêmica foi dedicada ao ensino superior privado. "Não tinha vontade de ser funcionária pública, preferi investir mais na carreira do que na aposentadoria", diz.

Ela tem à frente menos de nove meses como secretária e não se ilude. "Não dá para fazer muito." Um de seus projetos é ampliar o número de escolas que funcionam em período integral - hoje são 514. Para isso, quer procurar ajuda da iniciativa privada, com garantias de publicidade. "Como vou sensibilizar o empresário se eu não puder dizer que aquela sala foi doada por determinada empresa?"

Para a secretária, que substituiu Gabriel Chalita neste mês, os professores ganham pouco e o ensino público tem problemas, sim. "Os frutos não se colhem em um ou dois anos, e sim em uma geração. É por isso que a educação fica em segundo plano. Ela não dá voto."

Maria Lucia, de 57 anos, é casada, tem três filhos e diz, meio sem graça, que gosta de música sertaneja. "Meu marido fica doido, mas eu gosto daquelas bem bregas mesmo."

A senhora trabalhou na rede municipal e na estadual nos anos 70. Que diferenças vê entre rede pública daquela época e a de agora?

O gigantismo talvez seja a diferença maior. Esse saudosismo de dizer que a escola pública era boa no passado é porque não se analisa que a escola era de elite. Quando você seleciona os melhores alunos, que era o que ocorria, não é difícil que ela seja melhor. A partir do momento em que se abre a escola para a população, que é o correto, não há mais seleção. Hoje há 5.600 escolas e 5 milhões de alunos. É o ideal? Não. Mas pelo menos o Estado diminuiu o número de crianças fora de escola, a evasão, o analfabetismo.

Há críticas de que os alunos são aprovados sem saber nada, por causa da progressão continuada.

O problema não é a progressão continuada, e sim a forma como é trabalhada. Muitos professores não foram formados para fazer isso. A avaliação é o grande nó do professor. E ela tem de ser um processo contínuo. Isso não quer dizer empurrar a criança de qualquer jeito, a idéia é levá-la a ganhar segurança, a aprender. Ao fim do ciclo, fica todo mundo equilibrado. O tempo de aprendizagem acontece individualmente, não posso exigir que duas crianças aprendam no mesmo ritmo. O professor às vezes erroneamente confunde a avaliação com instrumento disciplinador. A nota é uma arma para ele dizer: se você não ficar bonzinho, eu vou reprová-lo. Quando ele vê que a avaliação não tem toda essa força, ele se sente inseguro.

Quais os maiores problemas?

Existem algumas questões que são históricas. O professor foi perdendo a sua valorização. Foi um erro grave, político. Perdeu seu status de profissional reconhecido e seu salário foi degradado. Aí, ele perde a auto-estima, procura outros trabalhos e isso implica numa perda de qualidade do ensino. No entanto, hoje já temos todo o corpo docente do Estado com nível universitário. Mas frutos em educação não se colhem num ano ou dois, e sim em uma geração. Por isso que educação nesse País fica em segundo plano. Não dá voto.

O professor ganha mal?

v Se comparado com outras categorias, sim. E ele é o mais importante. Quem formou o médico e o advogado foi o professor. Ele precisar estudar o tempo todo, ler jornal, ter vida cultural. Mas como, se tem de dobrar o turno para receber maior salário?

A senhora lutará pelo salário dele?

Não consigo. Vou ficar só nove meses e ainda é período eleitoral, em que não pode aumentar. Vou tentar fazer uma ou duas ações pontuais. Uma tarefa tão grande num período tão curto, não posso ter a ilusão que vou fazer grandes mudanças. Vou me esforçar para que o professor seja mais capacitado.

Quais são as outras ações?

O melhor projeto aqui, a escola em tempo integral, eu quero ampliar. Somos um dos países em que as crianças ficam menos tempo na escola. Mas a escola é o melhor lugar para se estar. O projeto foi pensado para que a criança fique entre 7 horas e 16 horas na escola, com três refeições. Pela manhã, são atividades curriculares e, à tarde, artes, esportes, iniciação científica, saúde. Melhora a qualidade de ensino e o social, porque a mãe trabalhadora sabe que o filho está lá.

Sem qualidade, pode-se dizer que não adianta ficar mais na escola?

Ele, pelo menos, vai estar aprendendo a não cheirar cola. Vai visitar museus, receber peças teatrais, vai ter inclusão digital. Quando você está dentro de um espaço educacional, está sempre aprendendo. Para isso eu não preciso de nenhum PhD, preciso de um professor envolvido, competente e comprometido. Vai ser melhor que deixá-lo na rua ou na frente da TV.

O ranking dos melhores desempenhos no Enem mostra que entre as primeiras colocadas só há escolas federais. O que a senhora pensa dessas avaliações?

Por princípio, não sou contra nenhuma avaliação. Mesmo quando você não concorda com os critérios, é melhor avaliar do que não fazer nada e depois não ter parâmetro para corrigir. Com relação ao Enem, houve uma confusão porque foram misturadas a EJA (Educação de Jovens e Adultos) e alunos regulares. Mas queria dizer outra coisa: se rede pública não é boa, então o que está acontecendo com os alunos do ProUni? Eles são alunos da rede pública e entraram nas universidades particulares por meio do programa de bolsas. Eles não estão acompanhando? Pelo contrário, se saem melhor que os outros. É uma avaliação importante.

Dá para a universidade fazer mais pela escola pública?

Dá sim. Já se faz isso com o programa Escola da Família, que abre escolas aos fins de semana e coloca o universitário bolsista para trabalhar nelas. Precisamos também de parcerias com o setor produtivo, com bancos. Não dá para ficar esperando que o governo resolva tudo. É um comprometimento que a sociedade tem que assumir. As empresas podem montar salas multimeios. Por que não podem em vez de descartar um computador mandar para a gente?

O governo permitiria propagandas das empresas em troca?

Acho que sim. Não estou falando em caridade e sim em responsabilidade social. Como vou sensibilizar o empresário se eu não puder dizer que aquela sala foi doada por determinada empresa? Vamos deixar de purismos, vamos olhar a realidade, que é a de que o dinheiro é pouco e as necessidades são muitas.