Título: E prossegue a orgia dos gastos públicos
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

Pretendia escrever farra em lugar de orgia, mas concluí que seria pouco, tamanha a minha perplexidade e indignação diante da expansão dos gastos federais no ano passado, bem como do novo aumento da carga tributária no mesmo ano, agravando conhecidas tendências de crescimento das despesas e receitas governamentais.

O crescimento dos gastos deverá agravar-se novamente em 2006, um ano eleitoral em que o presidente-candidato Lula coleciona votos com o Bolsa-Família (ou Bolsa-Voto), com forte reajuste real para o salário mínimo, e há ainda a perspectiva de que o valor individual daquela bolsa também venha a ser ampliado. Isso afundando ainda mais a economia do País no precipício em que se encontra, pois o governo cada vez mais toma tributos e cada vez consome mais de tudo o que arrecada. Além de tanto imposto a asfixiar a economia, quase nada se poupa para pontes, estradas, portos e outras obras públicas indispensáveis para escapar desse buraco. É como se quase tudo vazasse pelo ralo que conduz ao crescimento econômico medíocre.

Nos gastos, o destaque vai os para os ditos sociais (previdência e assistência social, saúde, educação e outros), adjetivo que no Brasil é usado para "justificar" toda sorte, ou melhor, todo azar de irresponsabilidade fiscal. Estudo do economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do governo federal (um viva aos que ainda estudam e pesquisam nele!), mostra que esses gastos passaram de 12,56% do produto interno bruto (PIB), em 2002, para 13,9% em 2005, ano em que ocorreu o maior impulso, de 0,68% do PIB. Pode parecer pouco esse aumento de 1,34% do PIB em três anos, mas se aplique essa porcentagem a uma estimativa do valor deste último no ano passado (R$ 1.920.000.000.000,00), e a conta desse aumento de gastos alcança dezenas de bilhões de reais (cerca de R$ 25.728.000.000,00, no mesmo ano), com o maior crescimento ocorrendo nos itens em que pesam o "Bolsa-Voto" e o salário mínimo (assistência e previdência social, respectivamente).

Quanto à carga tributária total, que já subira de 35,8% do PIB, em 2002, para 36,7% em 2004, estudos preliminares que circulam entre pesquisadores indicam um novo aumento em 2005, próximo de 1,5% do PIB, com a confirmação deste resultado dependendo apenas de o IBGE divulgar o valor nominal final do PIB do ano passado. O aumento da carga em termos absolutos, contudo, foi tão grande que é muito provável que esse resultado se confirme.

E 2006? Já estamos no fim de março e o governo federal ainda não tem sequer um orçamento aprovado pelo Congresso! O presidente Lula vem criticando deputados e senadores pelo atraso na aprovação da tal "peça orçamentária". Contudo, com suas artes, ele mesmo já estourou o enredo enviado ao Congresso, conforme matéria deste jornal no último domingo, intitulada Orçamento tem rombo de R$ 15,6 bi.

O texto diz que pelo menos metade desse valor decorreu de "bondades" que o governo Lula decidiu neste início de ano eleitoral, com o maior rombo decorrendo da elevação do salário mínimo, cujo valor na proposta orçamentária era de R$ 321, e não os R$ 350 posteriormente decididos depois de "negociação" com líderes sindicais.

Ainda nessa matéria, destaque-se declaração do secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro, pois confirma a tese de que os contínuos aumentos da carga tributária vêm na esteira da ampliação dos gastos e que, se estes não forem contidos, o sufocante peso dos tributos será ainda maior. Disse ele: "Vamos ter de correr atrás desses R$ 15,6 bilhões à custa de sangue, suor e lágrimas." O que ele está dizendo é que a receita tributária está correndo atrás da despesa e que será preciso acelerar a arrecadação para acompanhar os gastos. Ignoro se o secretário-adjunto, ao se referir a esse conjunto de sangria e secreções, estava pensando no esforço dos técnicos da Receita Federal ou no dos contribuintes, mas do lado de cá é muito claro quem vai sofrer.

Virão mais impostos, no sentido de novos ou de aumento de alíquotas? Neste ano eleitoral, acredito que não, mas nele a carga tributária poderá crescer por meio de um filme que combine terror, aeróbica e drama em cima do contribuinte já exaurido. Para não assustar, esse filme poderá ser da série Mais Eficácia na Administração Tributária, e os prêmios irão para os advogados tributaristas que trabalharão na sua seqüência.

Ainda recentemente vi o ex-jogador de futebol Dadá Maravilha na televisão - como sempre, professoral - dizendo que, como helicópteros e beija-flores, ele parava no ar para cabecear, além de sua máxima de que, "diante da problemática, o que interessa é a solucionática".

Confesso que, em matéria de solucionática para os impostos que correm atrás dos gastos, não vejo nada pairando no ar, nem aqui, no chão, na forma de zagueiros e goleiros capazes de segurar os petardos de jogadores políticos fiscalmente irresponsáveis. Propor soluções é fácil, como, por exemplo, um adendo à Lei de Responsabilidade Fiscal para limitar aumentos reais do salário mínimo e do valor de programas como o Bolsa-Família apenas ao primeiro ano de mandato, de tal forma que o próprio mandatário sinta - e logo - o ardor da pimenta que jogar no orçamento. Mas não vejo na política brasileira um grupo forte e disposto a levar adiante propostas como essa.

Lamentavelmente, já cogito até de torcer pelo contínuo e ainda mais forte agravamento do quadro fiscal, até que isso gere uma revolta suficientemente forte e terapêutica dos que pagam a conta desse desastre nacional.