Título: Ibitinga faz revolução dos bordados
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2006, Economia & Negócios, p. B12

Empresas incorporam tecnologia à produção artesanal, ganham produtividade, e vêem faturamento crescer 15%

A bordadeira Marlene Godói, de 37 anos, estica o tecido sobre o bastidor e, com o movimento concatenado das mãos, joelhos e pés, acelera a máquina e faz o pano deslizar sob a ponta da agulha, perpassando a linha sobre os riscos do desenho. O bordado que Marlene aprendeu a fazer com 11 anos vai servir de matriz para abastecer a mais nova integrante da tradicional comunidade de bordadeiras de Ibitinga, na região central do Estado, a 365 km de São Paulo: uma máquina de bordar computadorizada que faz o trabalho de 30 bordadeiras e pode funcionar 24 horas por dia.

O equipamento, importado da China por R$ 260 mil, simboliza a mudança que um grupo de empresários vem operando numa atividade que era, basicamente, de fundo de quintal. Além de incorporar tecnologia à produção, os fabricantes contrataram designers e passaram a treinar as bordadeiras para produzir de acordo com as tendências da moda. Sem perder a origem artesanal, pois a máquina reproduz a criação da bordadeira, a produção se sofistica e ganha qualidade para competir no mercado internacional.

Os fabricantes locais foram convidados para participar, como vendedores, da Heimtextil, a maior feira de confecções de cama, mesa e banho do mundo, na Alemanha. Desde que o processo de modernização começou, em 2003, a produtividade das empresas participantes cresceu 37%. No mesmo período, houve recuo da atividade têxtil paulista. O grupo de Ibitinga apresentou ainda crescimento de 7% em empregos e de 15% no faturamento.

"Já estamos sendo chamados de tigres paulistas", disse o presidente do Sindicato da Indústria e Comércio de Bordados de Ibitinga, Aquiles Sina, numa referência aos tigres asiáticos, como China e Índia, campeões em crescimento econômico. O chamado para a feira mundial veio depois que 24 empresários locais viajaram para a cidade alemã de Frankfurt, levando amostras de seus produtos.

"Fomos recebidos com tapete vermelho." O convite - para as feiras de 2007 e 2008 - coroa uma parceria dos empresários locais com o governo do Estado e com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), pela qual o pólo de bordados passou a ser um Arranjo Produtivo Local (APL), ou seja, uma aglomeração de empresas num mesmo território voltadas para atividades similares.

Das 380 empresas de bordados de Ibitinga, 35 atenderam ao primeiro chamado, no fim de 2002. Desde então, uma revolução silenciosa acontece na "capital nacional do bordado", que tem 5% do mercado de cama, mesa e banho do País. "Em vez de concorrentes, aprendemos a ser parceiros. Juntos, conseguimos identificar nossos problemas e buscar estratégias para resolvê-los." Um dos problemas era a falta de organização e a competição entre fabricantes, que levou à depreciação da marca.

"No início dos anos 90, houve concorrência de preço e quebra de qualidade. Ficamos com a fama de coisa de segunda linha", lembra Sina. Depois de se organizar, o grupo decidiu resgatar a qualidade e agregar valor à produção. A reciclagem começou pelos empresários e se estendeu ao quadro de pessoal. "O foco foi sempre esse: não vamos competir com preço, mas com a qualidade e a arte, que são nossos diferenciais."

Bordadeiras e costureiras tiveram cursos de moda e passaram a contar com a ajuda de designers para escolher fibras, cores e estampas. Em seguida, foi a vez das linhas de produção. "Estávamos com parte do maquinário ultrapassado e fomos buscar o que havia de melhor no mercado", afirma Oswaldo de Moraes, 49 anos, dono da Juma. Só em equipamentos, a empresa acaba de investir mais de R$ 1 milhão. "Comprei dos chineses, que tendem a ser nossos maiores concorrentes."

Moraes é um dos bem-sucedidos empresários do bordado, com produção de 45 mil jogos por mês, mas não esquece a origem modesta de artesão. Nascido na zona rural, até 1986 era atacadista de tecidos."Comecei nos bordados com duas máquinas emprestadas." Hoje, com 130 funcionários, ele vende para todo o Brasil.

Como a maioria dos fabricantes, Moraes tem loja no corredor comercial da cidade. Toda semana, cerca de 300 ônibus invadem Ibitinga trazendo compradores do Brasil inteiro. "Temos clientes que vêm do Acre", conta Vilma Vermelho, vendedora da Nicoly. A loja pertence a José Roberto Nicola, 39 anos. Ele foi terceirizado de Moraes até instalar sua fábrica, há 6 anos. Com a ajuda do irmão Adriano e de outros 5 funcionários, produz 7 mil peças por mês - 3 mil são bonequinhas que mexem e agradaram compradores africanos. "Exportei 2 mil para Moçambique e tenho pedido de 5 mil para maio."

Creusa Panegaci, de 43 anos, bordadeira oficial, produz 80 conjuntos por dia. Marlene, irmã de Creusa, também presta serviços para a Nicoly e outras fábricas. Trabalha em casa, com sua máquina. "Tiro R$ 500 por mês, sem precisar largar os serviços domésticos."

Segundo o sindicato, o bordado cria 5 mil empregos diretos, mas ocupa outras 10 mil pessoas nas 1.200 micro e pequenas empresas que atuam na informalidade e abastecem a feirinha aos sábados na cidade.

De 15 a 23 de julho, Ibitinga realiza a 33ª Feira do Bordado, com 180 expositores numa área de 25 mil m2. Os organizadores esperam 120 mil visitantes e vendas de R$ 4 milhões.