Título: China, OMC e EUA brigam. Brasil só aprecia Opinião
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2006, Economia & Negócios, p. B9

A Organização Mundial do Comércio (OMC) pressiona, os Estados Unidos protestam e o Brasil apenas espera. Qualquer que seja o resultado, os chineses terão de continuar importando toneladas crescentes de commodities de nós a preços altos provocados não pela especulação do mercado, mas pela sua própria demanda excepcional.

Tudo gira em torno de uma nova pressão, agora não mais isolada deste ou daquele país, contra a política cambial da China que utiliza a desvalorização do yuan frente ao dólar e ao euro como verdadeira arma comercial para catapultar suas exportações, superiores a US$ 700 bilhões, e roubar mercados no comércio mundial, inclusive do Brasil.

EUA TÊM OUTRO INTERESSE

Enquanto a OMC se prepara para anunciar oficialmente sua advertência sobre a política cambial chinesa, divulgada nesta semana no jornal Valor, o governo americano enfrenta um terrível dilema. George W. Bush e seus ministros insistem na valorização do yuan, que já provoca um déficit comercial de US$ 200 bilhões com a China, mas não quer ir longe demais. Há outros interesses geopolíticos.

Sexta-feira, o governo chinês fez uma oferta de iniciar sérias conversações com os EUA a respeito de uma cooperação mais estreita no setor de energia, gás, petróleo e, leia-se também, indiretamente, energia nuclear.

"Nestas áreas a China e os Estados Unidos não são competidores", afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Qin Gang. "A China está preparada para cooperar não só com os Estados Unidos, mas com outros países, numa base de benefícios mútuos."

Ele deixou mesmo claro que empresas americanas poderiam explorar gás em seu país, ao mesmo tempo que avançam as negociações com a Rússia para a possível construção de um oleoduto ligando a China e os campos petrolíferos da Sibéria.

E O YUAN? ORA...

Bush enfrenta, porém, um sério desafio interno. O Congresso americano prepara-se para votar pesadas sanções comerciais, impor tarifas de até 27,5% às importações chinesas que entram nos EUA a preços consideravelmente menores não só por causa do relativamente ínfimo custo interno de produção, mas a um yuan artificialmente desvalorizado. Mais ainda, o Congresso pretende que os EUA levem oficialmente à OMC o veto à política cambial protecionista da China, no que contariam imediatamente com o apoio da União Européia (UE) e a maior parte dos grandes importadores de produtos chineses.

Embora o representante comercial americano, Rob Portman, tenha sido enfático na crítica verbal aos chineses, e tenha mesmo anunciado a criação de um grupo interno só para tratar do assunto, o governo não pretende ir mais longe. Bush tenta contornar as pressões crescentes do Congresso, inspiradas principalmente pelas empresas americanas que estão perdendo mercado para os chineses. Pede calma, fala na importância de combater a pirataria de produtos chineses, que invadem o mercado americano - e brasileiro e mundial também... -, mas acha que há ainda espaço para negociar antes de aplicar sanções.

Afinal, os EUA, mesmo com déficit comercial, são grandes exportadores para a China e os países asiáticos. E, com o acordo nuclear agora assinado com a Índia, o cenário geopolítico sofreu forte transformação. É um cenário no qual a desvalorização do yuan pesa, sim, mas passa a ser, para Bush, um fato de segunda ordem.

Neste fim de semana, o banco central chinês deixou o yuan valorizar-se ligeiramente, 1%, desde a primeira valorização simbólica de julho. Mas isso foi apenas para preparar a visita oficial de dois senadores americanos, Charles Schumer, democrata, e Lindsey Graham, republicano, no início da semana. Não há, de fato, o menor indício de que o governo chinês tenha alterado sua posição de manter o yuan desvalorizado para levar suas exportações a US$ 900 bilhões.

VAMOS CONVERSAR...

Já está marcado para abril um encontro entre Bush e o presidente chinês, Hu Jintao. Antes, no dia 11 de abril, haverá uma reunião prévia dos respectivos ministros de Economia dos dois países. Bush pretende atenuar até lá as fortes pressões do Congresso e obter muito mais do que uma promessa de valorização do yuan, difícil de conseguir e, dizem autoridades do governo americano, podem pesar menos do que o governo poderá obter na área comercial e em outros itens estratégicos.

BRASIL ESPERA

Para o Brasil, uma valorização do yuan é importante, sim, mas não chega a ser um tema de primeira grandeza. Por quê? Nossas exportações ficariam mais competitivas, os chineses teriam de pagar mais caro, mas dificilmente deixariam de continuar importando, simplesmente porque nossas vendas são de produtos essenciais, mais ainda, vitais para eles, commodities agrícolas e minerais. Não podem deixar de importar a preços do mercado. E esses preços, como o do minério de ferro, estão em alta em todo o mercado mundial, não por causa de questões cambiais ou de outros tipos, mas porque decorrem, são provocados pela crescente e enorme demanda da própria China.

O Ministério do Comércio Exterior, em seu web, mostrou-se furioso com o aumento de 71,5% do minério de ferro brasileiro e australiano, tentará negociar, mas terá de aceitar as próprias regras do mercado. Que regras? Simples: a China é a maior compradora de minério de ferro do mundo, 275 milhões de toneladas, ou seja, nada menos que 43% da demanda global. É um produto essencial, indispensável para manter as atuais taxas de crescimento anual próximas de 10%. Mais ainda, apesar do aumento expressivo dos preços - repito, provocado pela sua própria demanda -, a China continuou aumentando suas importações, pois em fevereiro a sua produção anualizada de aço chegou a 384 milhões de toneladas, ou seja, um aumento de 100 milhões em relação há dois anos.

Quanto ao aumento dos preços das nossas importações chinesas, isso pouco pesa, pois nada importamos deles que não poderíamos importar de outros países. Não são, nem de longe, produtos vitais para o Brasil. Muito ao contrário, são perfeitamente dispensáveis. Na verdade, grande parte, senão quase tudo, só importamos deles porque o preço é artificialmente baixo, preço de dumping. Esses produtos podem ser perfeitamente produzidos no Brasil.

Como lembrou com muita oportunidade o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, "vemos entrar no Brasil pneus, máquinas, equipamentos eletrônicos óculos, armações, têxteis, calçados da China a preço de banana". E conclui, ironicamente, "tem óculos entrando a R$ 0,01"!

Assim, é oportuno que a OMC venha agora a abrir mais uma frente contra a política cambial protecionista de desvalorização do yuan. Afinal, lembra Skaf, a China não se considera, com o apoio inusitado do governo brasileiro, uma "economia de mercado?" Ah! é? Seja bem-vinda, então...