Título: Café renasce e já rende R$ 10 bi
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2006, Economia & Negócios, p. B8

Novo ciclo de prosperidade é marcado pela alta das cotações e valorização do produto de melhor qualidade

Um novo ciclo de prosperidade começa a despontar na cafeicultura brasileira. Ao contrário de outros períodos de bonança, o renascimento do café desta vez é marcado não só pela recuperação de preços em razão da oferta mundial, ajustada ao consumo, mas também pela melhoria de qualidade do produto.

Desde fevereiro do ano passado, por exemplo, o Brasil é o único país do mundo que tem uma região oficial demarcada que indica a procedência geográfica do café servido nas cafeterias, com qualidade certificada e o grão produzido de acordo com um padrão estabelecido. A denominação de origem controlada do café é um processo semelhante ao que ocorre com as uvas usadas nos vinhos franceses da região de Bordeaux e nos brasileiros produzidos no Vale dos Vinhedos (RS).

Essa preocupação com a qualidade é recente e quebrou o velho paradigma de que o Brasil, maior produtor e exportador mundial, só quer despejar no mercado grandes volumes de café, sem importar-se em ter uma bebida diferenciada.

A mudança do perfil da lavoura e a recuperação dos preços já têm reflexos no bolso do cafeicultor. Neste ano, por exemplo, a receita com a safra de café 2006/2007 deverá somar R$ 10,1 bilhões - 74,1% maior do que a de 2003, período ainda de preços baixos, segundo cálculos da RC Consultores. Para chegar a esse número, a consultoria levou em conta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em relação a 2005, a renda dos agricultores deverá crescer R$ 1,4 bilhão. Em quatro anos, de 2003 a 2006, o crescimento da receita com o café superou o de outras culturas perenes, como a cana-de-açúcar (32%) e a laranja (13,6%).

A safra 2006/2007, que começa ser colhida no mês que vem, está estimada pela Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) em até 43,5 milhões de sacas de 60 quilos, ante 32,9 milhões de sacas de 2005. O fato de ser a segunda maior desde 1999, por causa da bianualidade da lavoura, parece não tirar o sono dos cafeicultores. "Estamos vivendo o renascimento do café. O período de vacas gordas que começou no ano passado deverá durar até 2008", prevê o presidente da Comissão Nacional do Café da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), João Roberto Puliti.

Entre 2000 e 2004, fase de superoferta mundial, o cafeicultor ficou no vermelho, observa o gerente de café da Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas da Região de Franca (Cocapec), Anselmo de Paula. Segundo ele, a virada nos preços, com o maior equilíbrio entre oferta e demanda mundiais e a redução nos estoques, começou no ano passado. A perspectiva do mercado é de que, para este ano, o consumo mundial gire na casa de 120 milhões de sacas para produção equivalente.

É bem verdade que o fator que impulsiona a recuperação da atividade é a oferta ajustada à demanda, uma vez que os volumes de café com qualidade diferenciada, conhecido como gourmet, ainda são reduzidos em relação ao total da produção disponível, onde predomina o grão tradicional. Hoje, por exemplo, apenas 800 mil sacas de café produzido no País são reconhecidos como gourmet e o total de cafés de qualidade deve oscilar de 2 a 3 milhões de sacas. Mas os analistas concordam que, apesar dos volumes reduzidos, a cotação dos cafés diferenciados acaba influenciando o preço do café tradicional.

Os preços no mercado internacional já refletem o ajuste de mercado e a diferenciação do produto. Atualmente, a saca de café verde está na casa de US$ 120, ante média histórica de US$ 100. "A cotação do café no mercado internacional está muito boa", diz De Paula, da Cocapec. Ele pondera que parte do ganho em dólar acaba corroído pelo câmbio. "Ganhamos com a alta da Bolsa de Nova York, mas perdemos no câmbio."

Para Rodrigo Pontes, assessor técnico da Comissão de Café da Federação da Agricultura de Minas Gerais, Estado que responde pela metade da produção nacional de café, hoje o preço está satisfatório e é o melhor desde 2000. Menos otimista do que outros analistas que prevêem um ciclo de preços altos mais longo, ele considera que as cotações deverão continuar firmes nos próximos 12 meses.

"A vez é do Brasil", afirma o gerente de Comercialização de Café da Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado (Coocacer) de Monte Carmelo (MG), Antônio Carlos de Oliveira. Os países produtores da América Central têm dificuldades de custo porque a mão-de-obra é cara, as safras do Vietnã e da Colômbia, os dois maiores produtores depois do Brasil, estão estagnadas, ressalta. "O Brasil tem de colher 50 milhões de sacas."

Também para o diretor da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, o Brasil tem uma posição fantástica com relação ao café. "Nenhum outro produtor tem um mercado interno tão expressivo e peso tão grande nas exportações como o Brasil."

Em 2005, por exemplo, os brasileiros consumiram 15,54 milhões de sacas de café, segundo a Abic. O crescimento é de 4% ante o ano anterior. No mesmo período, o consumo médio mundial aumentou apenas 0,69%, segundo a Organização Internacional do Café (OIC).

Para este ano, a previsão é de que o consumo interno atinja 16,5 milhões de sacas, com alta de 6%. Parte desse crescimento foi impulsionado pela maior oferta de cafés de qualidade e pela disseminação do hábito de beber um bom cafezinho.