Título: Opinião O nó
Autor: Mailson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2006, Economia & Negócios, p. B7

Tucanos e petistas continuam buscando pele em casca de ovo. Acham que a causa do baixo crescimento é a política econômica. Tucanos de alta plumagem prometem mudanças se voltarem ao poder. Petistas de elevado coturno, inclusive um assessor palaciano, sustentam que já é hora de Lula mudar a política econômica e fazer de 2006 o primeiro ano do segundo mandato.

Enquanto essa maré segue o curso (com poucas chances de prevalecer, felizmente), saiu este mês um bem fundamentado estudo que desmoraliza a tese e aponta as verdadeiras razões pelas quais crescemos menos do que outros países em desenvolvimento. Trata-se do artigo de Fabio Giambiagi, do Ipea, intitulado A política fiscal do governo Lula em perspectiva histórica: qual é o limite para o gasto público?, texto disponível no endereço www.ipea.gov.br/pub/td/sumex06/se1169.htm.

Giambiagi, profundo conhecedor do setor público, põe o dedo na ferida. Seu estudo remonta à década de 80 e mostra, com sólidos argumentos e dados estatísticos, como penamos por causa da Constituição de 1988, e como FHC e Lula continuaram a errar nessa área mediante aumentos reais insustentáveis do salário mínimo, que explodiram os gastos previdenciários e assistenciais.

A Constituição aumentou tais gastos para "resgatar a dívida social". Dizia-se com ímpeto populista que era preciso ser magnânimo com os pobres e desamparados. Os constituintes parecem ter acreditado que as "bondades" não teriam custo.

As despesas do INSS mais do que triplicaram como proporção do PIB, passando de 2,5% em1988 para 7,6% em 2005 (podem chegar a perto de 8% do PIB em 2006). Entre 1991 e 2005, o gasto primário do governo federal (não computados os juros) aumentou de 14% para 23% do PIB. Mais de 60% desse aumento, em apenas 14 anos, são explicados por gastos previdenciários e assistenciais. Outros 20% decorreram de transferências obrigatórias a Estados e municípios.

Aí está a principal causa do aumento da carga tributária. Na União, ela aumentou de 14,6% para 25,3% do PIB, enquanto a carga total saltou de 24,4% para 36,5% do PIB. A maior arrecadação não deu para cobrir a elevação dos gastos primários e dos encargos financeiros. Foi preciso ampliar a dívida pública e reduzir os investimentos, o que ajudou a aumentar os juros e a deteriorar a infra-estrutura econômica.

Giambiagi mostra por que o País cresce pouco e como tem prioridades invertidas. Cerca de 70% dos chamados gastos sociais do governo central estão na área previdenciária. O foco é nos idosos, enquanto países como a Coréia do Sul preferiram privilegiar crianças e gastos em ciência, tecnologia, educação fundamental e outros essenciais para o crescimento. Os constituintes de 1988 e governos seguintes preferiram investir em nosso passado.

É impressionante como a classe política brasileira e formadores de opinião resistem a entender essa realidade. Os aumentos do salário mínimo respondem por apenas 4% da melhoria na distribuição de renda de 2001 para cá, mas FHC e Lula (mais ainda) insistiram em aumentos reais expressivos. Agora mesmo, por unanimidade, uma comissão do Senado aprovou a extinção do fator previdenciário, avanço que busca minimizar os efeitos do envelhecimento da população nos gastos públicos. Como em 1988, os senadores continuam indiferentes ao desastre, mas demandam mudanças na política econômica imaginando que por aí voltaremos a crescer muito.

O Brasil depende de muitas reformas para aumentar o potencial de crescimento econômico, mas sem atacar o problema previdenciário - incluindo a desvinculação entre o salário mínimo e o piso previdenciário - não sairemos do atoleiro. Há o risco de afundarmos mais ainda, principalmente se os bons ventos que vêm da economia mundial e da franca liquidez internacional pararem de soprar. É preciso ter coragem, como Giambiagi, para afirmar que chegou a hora de rever os gastos "sociais", principalmente os de previdência e assistência. Este é o nó.