Título: Sempre há um pior
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2006, Espaço Aberto, p. A2

A quem indagasse de Lula se era de esquerda ou de direita, logo que despontou no sindicalismo, respondia que era torneiro mecânico. Mas, em 1990, estava ele, líder sindical e político, fazendo parte do Fórum de São Paulo, iniciativa do Partido Comunista Cubano, presente a esquerda mundial. A ética, que talvez não saiba definir, a usava como um refrão. Em discurso de campanha em Aracaju, falando de um ladrão de galinhas conhecido na cidade, disse que maior ainda era o presidente Sarney. Um deputado petista, indignado pela aliança com Sarney, fez ouvir a gravação do ataque soez. Foi expulso do PT.

Não estranha que seu PT, que não era "farinha do mesmo saco", ao buscar a conquista do governo, haja jogado a ética no lixo. Mas o objetivo era ter o poder para os sindicalistas. Deles nomeou logo 400, entre ministros de Estado e chefes das principais estatais Como disse o cientista Peter Flynn, professor emérito da Universidade de Glasgow, ao Estado: "Em termos históricos, nem Getúlio Vargas, nem tampouco João Goulart, levaram tão longe a idéia da república sindicalista como o PT." Foi essa república que formou a "sofisticada organização criminosa" - como a classificou o procurador-geral da República - ladra do dinheiro público e pagadora dos despudorados deputados do mensalão, a fim de "comprar apoio político para garantir continuidade do projeto de poder", nas palavras do digno procurador, num libelo jamais igualado no Ministério Público.

Por mais que se discorde de Frei Betto, não era desse modo que ele, já no governo, imaginaria conquistar o poder, que queria. Quadrilha de 40 corruptos e corruptores chefiada por José Dirceu, "o chefe do organograma delituoso" que faria do famoso PC Farias, dos tempos de Collor, um mero batedor de carteiras. A mudança ética prometida foi feita, realmente, mas para pior. Antes de chegar à Presidência, o PT de Lula obrigava os prefeitos petistas a contribuírem para os cofres de Delúbio Soares, com contratos superfaturados, até que Celso Daniel, de Santo André, se convenceu do desvio do dízimo. Mataram-no. No velório, Lula improvisou um panegírico e, chorando, prometeu apurar e punir os assassinos. A família do assassinado acreditou. Hoje, não.

A esperança da esquerda do Foro de São Paulo se desfez ao ouvir-lhe dizer que não era de esquerda. O que queria era governar melhor do que a direita. Aos marxistas, consolou: "A utopia socialista, o sonho vêm depois." Sem saber quantos milhões de brasileiros há vivendo na miséria, pior que na pobreza, prometeu fazer "com que cada brasileiro fizesse três refeições ao dia". O projeto Fome Zero seria o carro-chefe de sua política. Que é feito dele? Aproveitou o que já existia - Bolsa-Escola, Auxílio-Alimentação, Vale-Gás -, que rotulou como Bolsa-Família, ainda hoje não devidamente cadastrada. Em vez dos 10 milhões de empregos, aumentou o pagamento da bolsa. Volta a aumentá-la no ano eleitoral para mais de R$ 100. Por haver pago a dois eleitores, na eleição no Amapá, R$ 26, o senador Capiberibe e a esposa, deputada, perderam o mandato.

O assistencialismo oficial mais primário produz votos, sem medo de igual destino, porque somos todos nós que estamos pagando, para fazer de Lula o benfeitor dos pobres e receber homenagem da ONU como o grande promotor da luta contra a pobreza. Como o ano é de eleição, aumenta em 16% o salário mínimo - o que seria justo - sem se preocupar com o rombo da Previdência, que já passa de R$ 1 trilhão. Estende a bondade, dando 5% de aumento aos aposentados com proventos acima de R$ 1.200, de quem tirou 11% do provento da aposentadoria antes conquistada por quem contribuíra 30 a 35 anos para a Previdência Social.

Amigo da quadrilha, nem uma palavra dá sobre o grave crime da quebra do sigilo bancário de um "simples caseiro" e se regozija quando a Caixa Econômica Federal simula um inquérito em que todos os servidores petistas são absolvidos, exceto o presidente, que será boi de piranha. Todos os ouvidos, mesmo o gerente que usou um laptop alta hora da noite, dizem ter cumprido o dever da obediência. A Caixa nunca leu as conclusões do Tribunal de Nuremberg, de que é tão criminoso quem obedece a ordens ilegais. Os 40 (são mais) corruptos "pelo bem da causa" eram o Estado-Maior de Lula e ele, um general sem Estado-Maior, que de nada sabia. Ignorar é uma tese certamente sugerida por criminalista, mas que leva a duas alternativas: ou o chefe é incapaz e perde o comando - é limongé, como se deu com certos comandantes franceses na 1ª Guerra Mundial -, ou é conivente e deve responder na Corte Marcial.

Na vida civil não há generais, mas há presidentes ineptos ou praticantes de crime de responsabilidade, julgados pelo Congresso, que faz as vezes de Corte Marcial. Isso, porém, quando o Congresso não é feito de deputados entre os quais vicejaram os "mensaleiros" que se venderam ao "excremento do diabo", na imagem de Almeida Garrett, ou que, presos à força da cumplicidade, absolvem no plenário aqueles que o Conselho de Ética da Câmara recomendou fossem cassados.

Um deles nunca foi ouvido. Há meses o deputado Janene não é encontrado para ser citado. Subitamente, lembrou-se de que é cardiopata grave e pede aposentadoria que lhe daria proventos e inviabilizaria o processo nunca iniciado e o direito de ser candidato. O deputado Biscaia, um dos petistas corretos, que rejeita a aposentadoria por invalidez, não consegue quórum na Comissão de Justiça. Dos R$ 4,5 milhões de que é acusado para comprar votos do PP, de que era líder, talvez reste a Janene algo para um bom advogado criminalista.

Mas se Lula, que se diz traído por um sujeito oculto, faltou à esquerda, que o projetou, e à ética, que prometeu, há piores, como o comandante Chávez, com sua ambição de líder sul-americano.

Jarbas Passarinho, ex-presidente da Fundação Milton Campos, foi senador pelo Estado do Pará e ministro de Estado