Título: Vitória do empreguism
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2006, Notas e Infomrações, p. A3

O governo federal, os governos estaduais e as prefeituras continuam funcionando como se uma de suas principais finalidades fosse contratar pessoal e pagar salários, apesar dos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No Brasil, dar emprego com dinheiro público sempre foi - e continua a ser - um componente importante do poder político. Ainda é uma das formas de apropriação do Estado pelos interesses particulares. O costume ganhou nova coloração quando o PT, instalado na Presidência da República, praticou o empreguismo como aparelhamento da máquina pública.

A modernização das normas fiscais, a partir dos anos 90, limitou e dificultou as práticas tradicionais, mas não as eliminou, porque os políticos e seus assessores têm sido capazes de contornar a legislação ou de encontrar brechas para fugir da disciplina mais estrita.

Contabilizar parte dos gastos com pessoal como "outras despesas" de custeio tem sido uma forma de ultrapassar os limites fixados pela LRF, segundo reportagem publicada nesta segunda-feira pelo Estado. Aposentadorias, pensões, vales-transporte e vales-alimentação têm sido registrados dessa forma. Graças a isso, alguns governos estaduais têm conseguido gastar com pessoal mais que o limite da lei fiscal, 60% da receita líquida corrente. O governo federal tem recorrido ao mesmo expediente. A proposta orçamentária deste ano inclui R$ 3,2 bilhões para alimentação, assistência médica e creches dos filhos dos servidores federais. Embora sejam evidentes complementos salariais, esses gastos não são contabilizados como despesas com pessoal.

Funcionários do Supremo Tribunal Federal (STF) ganham em média, segundo a reportagem, R$ 584,80 mensais de subsídio para alimentação. No Executivo, o benefício é menor - R$ 159,36, em média. Pode-se discutir se vantagens desse tipo são justas ou não. Seja qual for a opinião de cada um a respeito do assunto, um ponto deveria estar acima de qualquer dúvida: não se justifica tratar essas despesas, contabilmente, como se não fossem parcelas do custo de pessoal.

O dispêndio com pessoal tem sido ampliado não pelos ajustes salariais e pela expansão dos benefícios, mas também pela contratação de novos funcionários. Foram criados na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva 37.543 cargos na administração federal, segundo levantamento publicado pela Folha de S.Paulo.

Três quartos desses empregos foram criados por meio de medidas provisórias, criticadas pela oposição, mas, apesar disso, nunca derrubadas no Congresso Nacional. Houve aumento de 11,3% nos cargos de confiança, de livre provimento, com a criação de 2.268 postos na gestão petista. Isso facilitou a contratação de pessoal de acordo com as conveniências políticas do governo e de seus aliados. Uma das conseqüências mais notórias foi a perda de qualidade da administração. Poucos ministros fizeram algum esforço para resistir ao aparelhamento.

O governo federal pode apresentar desculpas, naturalmente, para dar um aspecto de normalidade a essa generosa criação de cargos públicos. Parte dos postos, segundo essas explicações, foi criada para a substituição de pessoal terceirizado. Falta mostrar, no entanto, que essa modificação tenha sido justificável em todos os casos. Também é duvidoso que a ampliação dos quadros tenha contribuído para tornar o serviço público mais eficiente.

Os setores de infra-estrutura, como o Ministério dos Transportes, continuaram ineficientes no planejamento e na execução de obras, apesar do aumento de pessoal. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ganhou 4 mil funcionários, mas continuou sem prestar serviços úteis. Enquanto isso, o Ministério da Agricultura continuou sem meios para desempenhar funções essenciais, como, por exemplo, o controle sanitário do rebanho bovino.

Com todas essas contratações, a administração federal apenas se tornou mais pesada e custosa, sem ganho visível de eficiência. A conta passada ao contribuinte continuou a crescer. Mas, apesar do aumento de impostos, a meta fiscal deste ano está em perigo, como têm advertido respeitados especialistas em finanças públicas. A administração anda para trás.