Título: Parem com a guerra de Bush
Autor: Bob Herbert
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2006, Internacional, p. A20

Segundo "algumas estimativas", o número de iraquianos "que morreram como resultado da invasão americana atingiu a casa dos seis dígitos - muito mais do que o número de pessoas que foram mortas em todos os atentados terroristas de toda a História", assinalou um recente artigo publicado na Foreign Affairs. "Sanções impostas ao Iraque provavelmente foram uma causa de morte de um número ainda maior de iraquianos, a maior parte deles crianças."

Nem todo mundo concorda que as mortes de iraquianos tenham atingido a casa das centenas de milhares. Não faz muito tempo, o presidente Bush calculou esse número em 30 mil. Esse provavelmente é um número baixo, mas não obstante, horrendo. Seja qual for o caso, existe um entendimento geral de que o número de iraquianos assassinados atingiu as dezenas de milhares. Um oceano de sangue vem sendo derramado na guerra estúpida de Bush e não há um fim à vista neste trágico fluxo. Jeffrey Gettleman, do The Times, escreveu os seguintes parágrafos de dar calafrios no edição de terça-feira:

"Na Cidade Sadr, a parte xiita de Bagdá onde os quatro suspeitos de serem terroristas foram executados, as forças do governo desapareceram. As ruas estão sendo dominadas por adolescentes agressivos vestindo vistosas camisetas de futebol e portando metralhadoras."

"Eles fazem bloqueios nas estradas, enfiam a cabeça dentro dos carros e detêm quem eles querem. As mesquitas enviam avisos nos alto-falantes para os soldados americanos não se aproximarem. Cada vez mais, os americanos estão fazendo exatamente isso."

Todos que acharam que essa guerra era uma boa idéia estavam errados e devem admitir isso. Aqueles que ainda acham que é uma boa idéia devem se submeter a terapia.

Na sexta-feira e sábado últimos, foi realizada uma conferência intitulada "O Vietnã e a Presidência" na John F. Kennedy Presidential Library and Museum de Boston. As discussões sobre as lições que deixamos de aprender com o Vietnã e, portanto, não aplicamos no Iraque, permearam as falas.

Algumas das lições pareceram constrangedoramente básicas. Jack Valenti, que foi assistente especial de Lyndon Johnson, nos lembrou como é difícil "imprimir democracia" em outros países. E observou uma coisa que a população e os políticos parecem esquecer a cada vez que o brilho de uma guerra novinha em folha está sobre nós: que as guerras são "desumanas, brutais, insensíveis e cheias de maldade".

Pense em Abu Ghraib e Guantánamo. Pense nos homens-bomba e nos esquadrões da morte e nos bombardeios à beira das estradas. Pense nos homens e mulheres antes saudáveis que voltaram para os Estados Unidos paralíticos ou desprovidos de braços, pernas ou olhos, ou desprovidos do pleno uso de suas faculdades mentais. Pense nos milhares que morreram.

A maior parte das pessoas que acharam que esta guerra era uma boa idéia também pensou que a melhor maneira de travá-la era com os filhos de outras pessoas. Isso em si mesmo é uma forma de perversidade.

Entre aqueles que desempenharam um papel chave na conferência estava David Halberstam, autor do livro The Best and the Brightest (Os Melhores e os Mais Inteligentes), que não apenas é o melhor livro sobre o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã como também é um livro que fica cada vez mais essencial a cada ano que passa. Se você o leu na década de 1970 ou de 1980, leia novamente. Faria bem a todos nós um curso de reciclagem sobre a ligação entre a insensatez e a loucura nos níveis mais altos do governo e o sofrimento quase impossível de ser imaginado que isso pode desencadear.

No epílogo do livro, Halberstam escreve entre outras coisas que o presidente Johnson "e os homens que o rodeavam queriam ser definidos como fortes e durões; mas força, firmeza e coragem eram qualidades exteriores que seriam demonstradas indo para uma guerra limpa e, esperava-se, anti-séptica com uma nação pequena em vez do tipo de força e coragem mais interior e mais solitária de dizer a verdade aos americanos e talvez incorrer numa boa dose de risco político em âmbito doméstico".

Este último tipo de firmeza é o que precisamos agora. A invasão do Iraque foi uma medida desastrosa do governo Bush e não existe uma solução satisfatória no horizonte. A Casa Branca deveria estar trabalhando em colaboração com ambos os partidos no Congresso para encontrar a melhor forma de baixar a cortina sobre o envolvimento dos Estados Unidos.

Mas antes que isso possa começar a acontecer, o governo terá que se livrar da ilusão de que as coisas de certa forma estão indo bem no Iraque. A democracia que supostamente deveria florescer no deserto iraquiano e depois se espalhar pelo Oriente Médio foi uma miragem assim como foram as armas de destruição em massa.

O presidente Bush continua a afirmar que nossa meta no Iraque é a "vitória". O general Peter Pace, presidente do Estado Maior das Forças Armadas, disse recentemente a Tim Russert que as coisas estavam indo "muitíssimo bem" no Iraque.

Eles continuam rastejando na direção da miragem. Está na hora de se dar uma chance à realidade.