Título: Combate à pobreza exige mudanças em gastos sociais
Autor: Adriana Carranca
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2006, Nacional, p. A15

Para especialista do Banco Mundial, Previdência atual gera desigualdade

A economista americana Kathy Lindert é uma das principais especialistas do Banco Mundial para programas de transferência de renda, com os quais trabalha há 15 anos. Sob seu comando desde 2003, a área de projetos de proteção social do banco autorizou, no mesmo ano, um empréstimo de US$ 572,2 milhões para o governo Lula investir em seu principal programa de redução de pobreza e desigualdade, o Bolsa Família. Em 2007, novo empréstimo deve ser autorizado para o mesmo fim. "Os programas de transferência de renda são estratégicos para apoiar a política econômica de crescimento estável", diz Kathy, que prepara uma avaliação do Bolsa Família para depois das eleições. "Não entramos em política."

Apesar de seu entusiasmo pelo tema, Kathy diz que o Bolsa Família não é suficiente para acabar com problemas tão profundos como a pobreza e a desigualdade - que, no caso brasileiro, é das maiores do mundo. Um bom começo seria a reforma dos gastos sociais, que hoje beneficiam mais os ricos e o mercado formal. "A reforma da previdência é a prioridade número um do Brasil. Em 2005, enquanto o Bolsa Família tomou 0,36% do PIB para beneficiar os mais pobres, o governo gastou 3,7% (também do PIB) com o déficit de 40% do orçamento da Previdência, que beneficia os mais ricos", diz. "Ou seja, destina o dinheiro dos impostos a quem não precisa. É um Robin Hood às avessas."

"Enquanto mudanças estruturais são necessárias, no entanto, não se pode esperar durante gerações para atender aos pobres", diz. Nesse sentido, considera que o Bolsa Família é importante na melhoria imediata das condições de vida da família, mas deve ser complementar a investimentos na qualidade da educação e da saúde para que as condicionalidades de freqüência à escola e clínicas ajudem de fato a quebrar o ciclo de pobreza.

"O Bolsa Família não trabalha do lado da oferta de serviços. Ele cria a demanda por educação e saúde, por exemplo. Na outra ponta, os ministérios respectivos e governos locais têm de atuar no atendimento dessa demanda com mais serviços e de mais qualidade", diz. O Bolsa Família trabalharia como um eixo integrador das outras políticas complementares à transferência de renda para o mesmo público, potencializando os resultados. O novo termo de adesão de municípios ao Bolsa Família prevê que se priorizem os bolsistas nos programas sociais locais.

Parte do empréstimo está sendo aplicada na arquitetura do programa - unificação dos remanescentes Bolsa Escola, Auxílio Gás, Bolsa Alimentação e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, além de recadastramento das famílias num sistema único e organização de uma rede descentralizada para atualizar dados dos beneficiários, monitoramento das condicionalidades e fiscalização, com ministérios como o da Educação e Saúde, outros órgãos federais, Estados e municípios. Já o novo empréstimo deve ir para ações complementares que possibilitem a emancipação das famílias atendidas.