Título: Relator do STF para mensalão critica foro privilegiado
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2006, Nacional, p. A8

O ministro Joaquim Barbosa, relator do inquérito do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), previu ontem que o caso terá uma tramitação lenta e complicada por causa do dispositivo do foro privilegiado - que garante a autoridades como deputados o direito de serem investigadas e julgadas apenas no STF, e não na Justiça de primeira instância.

"O foro privilegiado é a racionalização da impunidade", afirmou ele ontem, durante entrevista a um grupo de jornalistas. "Sou favorável ao fim do foro. É uma excrescência brasileira."

Embora tenha evitado fazer previsões sobre a duração do processo, Barbosa deixou claro que o inquérito do mensalão vai demorar para ser julgado especialmente por causa do grande número de denunciados pela Procuradoria-Geral da República, 40 pessoas no total. Segundo ele, o STF não tem vocação nem estrutura para julgar casos de crime e deveria se concentrar em avaliar só questões de natureza constitucional.

Indagado sobre a possibilidade de que o STF concluísse a análise da denúncia até as eleições de outubro, Barbosa reagiu: "Que mudem a Constituição Federal, que acabem com o foro privilegiado." Ele observou que, ao contrário disso, o Congresso discute proposta de emenda que estende o foro privilegiado para as ex-autoridades: "É um problema cultural. Faz parte do jeitinho brasileiro."

Para Barbosa, o inquérito teria tramitação mais célere se estivesse na Justiça de primeira instância, onde um juiz poderia dar decisão "monocrática", dizendo se aceitava ou não a denúncia. No STF, o inquérito tem de ser submetido ao plenário. É provável que o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia, peça após as eleições o seu desmembramento. Assim, os que não tiverem foro privilegiado serão transferidos à primeira instância.

"O STF é um tribunal concebido para julgar recursos e questões abstratas de grande repercussão na vida econômica, política e social. O tribunal tinha de ser só uma corte constitucional. Não deveria analisar provas", disse. "Sou relator de 8 mil processos." Ao tentar demonstrar a necessidade de se acabar com o foro privilegiado, Barbosa afirmou que a prerrogativa não existe em países europeus e nos Estados Unidos. "Bill Clinton não foi julgado pela Suprema Corte", observou.

O ministro confirmou ter revogado o segredo de Justiça do inquérito. Apenas as informações sigilosas relacionadas a dados bancários, fiscais e telefônicos dos investigados continuarão indisponíveis para o público em geral. Ele contou que, na fase de investigação, autorizou diligências como operações de busca e apreensão, quebras de sigilo e escutas telefônicas.

Questionado se tinha avaliado algum pedido de prisão, Barbosa respondeu: "Neste momento não há nenhuma medida cautelar a ser cumprida." Em seguida, disse que a prisão preventiva deve ser uma "excepcionalidade". Segundo o ministro, para decretá-la, é necessário que existam fatos concretos, ou haverá "antecipação da pena".

TRAMITAÇÃO

Além dos muitos pedidos de indiciamento, a tramitação pode ser lenta pois advogados poderão conseguir postergar o primeiro julgamento, no qual o STF decidirá se abre ou não ação penal contra os acusados.

O inquérito e o processo têm três fases que se subdividem em diversas outras. E o STF não pode pulá-las, sob pena de tudo ser anulado. Há ainda a possibilidade de surgimento de incidentes processuais, como o encaminhamento de pedidos de habeas-corpus requerendo a suspensão do processo.

Só há uma cópia do inquérito - que tem cerca de 5 mil páginas e 65 anexos -, a que todos os envolvidos terão acesso.