Título: Espaço para investir
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2006, Notas & Informações, p. A3

C ampeão dos impostos e do gasto público entre os emergentes, o Brasil é também um dos países com menor crescimento econômico entre os de sua categoria. Esses fatos são interligados e não se pode falar seriamente em estratégia de crescimento sem propor, ao mesmo tempo, uma política de contenção e de reestruturação das despesas de governo. Com linguagens diferentes, essa política foi proposta, nesta semana, pelo economista-chefe do Banco Mundial (Bird), François Bourguignon, e pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. O Brasil precisa, segundo o funcionário do Bird, abrir um "espaço fiscal" para investir mais na infra-estrutura. A condição para isso, disse no dia seguinte o ex-ministro, é limitar o dispêndio corrente do Tesouro e reservar dinheiro para os projetos mais necessários.

Pedro Malan retomou uma proposta já defendida pela atual equipe da Fazenda, a fixação de um teto para o dispêndio público. O governo enterrou essa idéia quando o grupo dos ministros mais preocupados com a elevação dos gastos eleitorais convenceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a rejeitar qualquer compromisso fiscal mais severo. O mesmo critério levou o Executivo a descartar um programa de eliminação do déficit público num prazo de poucos anos.

Seria possível executar esse programa apenas evitando o aumento da despesa, sem gastar menos que nos últimos anos, como indicaram estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento. Mas as preocupações eleitorais e os conselhos dos chamados "desenvolvimentistas" prevaleceram.

No entanto, o controle mais severo do orçamento não é uma questão de escolha, se realmente se quiser buscar o crescimento duradouro, como argumentou o ex-ministro Malan. Simplesmente não há outras possibilidades. O País, disse Malan, não pode mais elevar a carga tributária. Não pode aceitar a volta da inflação. Não pode continuar aumentando a dívida pública. E também não pode, sem graves conseqüências, diminuir a proporção entre o investimento produtivo e o Produto Interno Bruto (PIB).

Sem essas alternativas, o caminho restante é evidente para quem não tenha perdido contato com a realidade. É não só possível, mas indispensável, fixar um limite para a despesa total do governo e reordenar as prioridades. Nisso consistiria, em grande parte, a abertura do "espaço fiscal" mencionado pelo economista-chefe do Bird.

A criação desse espaço dependerá também de um aumento da eficiência no uso do dinheiro público, em todos os tipos de aplicação. Por definição, os meios sempre serão insuficientes para a realização de todos os fins desejáveis. Mas a escassez de recursos, no caso brasileiro, é menos grave do que o desperdício. O contribuinte brasileiro paga muito mais impostos e contribuições que os de outros países, proporcionalmente ao tamanho da economia, mas acaba recebendo muito pouco em termos de serviços úteis e de investimentos necessários ao crescimento econômico e à elevação dos padrões de vida.

Uma política fiscal mais severa e ao mesmo tempo mais eficiente permitirá, no entanto, mais que a ampliação do gasto público de qualidade. Como lembrou o ex-ministro Malan, contas públicas mais saudáveis deverão resultar em juros menores tanto para o governo quanto para as empresas e os consumidores. O setor privado também poderá investir mais, criando as condições necessárias para o aumento da produção.

No Brasil, tradicionalmente, política fiscal de qualidade não é um grande tema de campanha eleitoral. No entanto, dificilmente se poderia encontrar um assunto mais importante para uma campanha séria e de alto nível neste ano. Os candidatos, como de costume, deverão formular muitas promessas - maior oferta de educação e de serviços de saúde, mais investimentos em estradas, energia e saneamento, mais dinheiro para os programas de combate à pobreza e assim por diante. Mas a maior parte dessas promessas não poderá ser cumprida, para valer, sem uma ampla mudança das condições financeiras do governo. Sem essa condição, qualquer programa de investimentos em infra-estrutura e em combate à pobreza será igual ao tapa-buraco e ao Bolsa-Família deste governo, porque não haverá meios para nada diferente disso.