Título: A Justiça chegou tarde. Deílton morreu sufocado
Autor: Camilla Rigi, Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Metrópole, p. C1,3

A rebelião na Cadeia Pública de Jundiaí ainda não havia acabado quando chegou o alvará de soltura do preso, uma das vítimas do motim

Corpos de presos estendidos no pátio. Tudo revirado, molhado e manchado pela fuligem dos colchões queimados. Havia reféns escondidos no fundo da prisão enquanto presos jurados de morte eram amarrados numa grade e levavam estocadas de estiletes. Em meio à confusão, chegou à Cadeia Pública de Jundiaí um oficial de Justiça. Levava um alvará de soltura para um dos 484 detidos: Deílton Loredo de Oliveira, de 33 anos. O papel foi guardado pelos policiais. Duas horas depois, rebelião encerrada, os carcereiros descobriram que o homem que ia ganhar a liberdade era um dos sete mortos no motim.

Deílton era separado e tinha filhos. Havia sido preso em sua cidade, Vinhedo, sob a acusação de porte ilegal de arma, em 26 de fevereiro. Mandado para a cadeia de Jundiaí, foi posto na cela de 16 metros quadrados com 28 presos ameaçados de morte. Não porque estivesse ameaçado, mas por ser novato.

Dizia aos policiais não se conformar com a prisão. "Ele não era ladrão e era a primeira vez que ficou preso", disse o carcereiro Marcos Alexandre de Farias. Em um plantão de Farias, no dia 4, Deílton escalou uma das grades do pátio e, de uma altura de 3,5 metros, atirou-se de cabeça no chão. Queria se matar. Os policiais o levaram a um pronto-socorro, onde ficou cinco horas até voltar à cadeia.

"Conversamos com ele para que não fizesse mais aquilo", disse o carcereiro. Uma tia de Deílton passou a visitá-lo na prisão enquanto ele tentava obter o direito de responder ao processo em liberdade.

A decisão de libertá-lo foi tomada pelo juiz Vilson Rodrigues Alves, da 1ª Vara de Vinhedo. O alvará foi expedido no dia em que a rebelião estourou. Deílton acabou vítima dos próprios colegas, que atearam fogo a colchões na entrada de sua cela. Ele e outros seis presos morreram sufocados.

Entre os outros mortos, havia dois presos por roubo, um por furto, um por homicídio e dois por crimes sexuais. O mais novo era Éder Aparecidos dos Santos, de 21 anos, e o mais velho, Eniderço David Galina Fiorino, 68 anos.

Do lado de fora da prisão, os familiares dos detentos aguardavam notícias. Mais do que saber quem eram os mortos, queriam ajudar os presos. "Aqui na frente a gente faz pressão para não machucá-los", disse a dona de casa Geni Marques, de 44 anos.