Título: Aposentadoria, época do trabalho voluntário
Autor: Emílio Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Vida&, p. A20

Centro paulistano vê em colaboradores idosos a vantagem de ampla experiência profissional e tempo disponível

A mudança drástica no cotidiano de quem se aposenta é apontada como uma das responsáveis pela depressão na terceira idade. Mas o problema da falta de atividades criativas e da busca de metas pode ser resolvido pelo trabalho voluntário. As entidades estão percebendo o valor da experiência profissional e de vida dos mais velhos - além das vantagens da maior flexibilidade de horário.

Uma vez por semana, Pérola Jankeluvicius, de 79 anos, sai cedo de casa para encontrar as amigas Sara Szumlewicz e Ester Sebag na instituição beneficente israelita Ten Yad, no Bom Retiro. As três fazem parte de um grupo de 350 voluntárias, a maioria idosas.

Seu trabalho é ajudar a cortar, empacotar e coordenar o trabalho de distribuição de pães. Ali ela passa quase três horas do dia. Enquanto uma corta os pães, as outras duas os empacotam e acondicionam nas caixas que seguirão com refeições levadas para bairros da periferia ou na baixada do Glicério, no centro de São Paulo.

Para Pérola, lidar com a falta de ocupação após a aposentadoria não foi fácil. "No primeiro dia depois de parar de trabalhar, acordei e fui conferir em minha agenda os compromissos", diz. "Comecei a chorar quando vi que não tinha nada para fazer." Ela encara o voluntariado como terapia. "É a instituição que me ajuda, e não o contrário."

O geriatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Clineu de Mello Almada Filho chama atenção para a importância desse tipo de trabalho. "Essa geração não diversificou suas atividades antes da aposentadoria. O trabalho voluntário é uma possibilidade de resgate da auto-estima."

REFERÊNCIA

O Centro de Voluntariado de São Paulo (CVSP) encaminha todo mês, em média, 300 pessoas de todas as idades para 660 organizações sociais cadastradas. O centro também abriga 55 voluntários, 11 deles com mais de 65 anos.

Stella Tetreault, de 71 anos, biblioteconomista aposentada, é uma delas. Há quatro anos no CVSP, diz não se acostumaria a viver sem trabalhar. "Só vou parar quando não tiver condições de trabalhar bem", explica.

Segundo Eliane Lemos, coordenadora de capacitação e do programa de voluntariado do CVSP, a vantagem dos voluntários mais velhos é a experiência que os mais novos não têm, além da maior disposição de tempo.

REMÉDIOS OU COMIDA

Freqüentando as reuniões de uma associação de aposentados e pensionistas no centro do Rio, Jorge Cramper, de 80 anos, decidiu montar ele mesmo um serviço de ajuda voluntária ao perceber as dificuldades econômicas de seus colegas. Para muitos, comprar remédios com pouco mais de um salário mínimo de aposentadoria era impossível. Como Cramper trabalhou em uma multinacional do setor farmacêutico por mais de 40 anos, resolveu criar um banco de remédios na sede da associação.

Após nove anos de voluntariado, Cramper contabiliza 45 mil doações e hoje conta com a ajuda de mais 12 pessoas. "Tem associado que precisa tomar até 18 remédios por dia", diz ele. "Ou come ou compra os medicamentos."

Todas as doações são feitas apenas com a apresentação da receita e do nome do médico. Em 2001, Cramper ganhou o concurso Talentos da Maturidade, do Banco Real, na categoria Programas Exemplares, por seu trabalho social. "Para mim a recompensa é a satisfação de um idoso ao receber um remédio que não poderia comprar."