Título: Em 14 anos, lista da flora ameaçada no País salta de 107 para 1.538 espécies
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Vida&, p. A16

Governo ainda pode rever os números, mas pesquisadores acreditam que risco de extinção possa ser bem maior

O número de espécies de plantas oficialmente ameaçadas de extinção no Brasil poderá saltar de 107 para 1.538, segundo a nova lista vermelha elaborada pela comunidade científica a pedido do Ibama. O levantamento, coordenado pela organização Biodiversitas, contou com a participação de quase 300 pesquisadores ao longo dos últimos dois anos. A lista final foi entregue ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) em dezembro e aguarda a aprovação do governo para ser oficializada. A lista atual é de 1992.

"Esse é o quadro real. É a lista apresentada pela comunidade científica com base em critérios científicos", disse ao Estado Glaucia Drummond, superintendente técnica da Biodiversitas, que está em Curitiba participando da 8ª Conferência das Partes (COP 8) da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas.

A relação, entretanto, ainda pode ser alterada pelo ministério. Foi o que ocorreu com a divulgação da nova lista de fauna ameaçada, em 2004, quando o governo adiou a homologação das listas de peixes e crustáceos por acreditar que a inclusão de algumas espécies poderia causar prejuízos econômicos e sociais às atividades de pesca, que ficariam proibidas com a classificação de ameaça.

Segundo o coordenador do Programa de Recursos Genéticos do MMA, Lídio Coradin, a relação será submetida para avaliação na Câmara Técnica Permanente sobre Espécies Ameaçadas da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio). "Ainda não tivemos tempo de olhar a lista", disse.

O aumento explosivo do número de espécies ameaçadas não surpreende, segundo Coradin, por causa do conhecimento acumulado desde a última lista e da perda crescente de hábitats nos últimos 14 anos. "Não há como não reconhecer que a destruição de muitos biomas aumentou."

A seleção das espécies foi feita de acordo com os critérios internacionais da União Mundial para a Natureza (IUCN), organização que coordena a elaboração de listas vermelhas (como são chamadas as listas de espécies em risco) em escala global. Cerca de 20% (619) entraram para as categorias mais graves de ameaça, consideradas "em perigo" ou "criticamente em perigo". Outras 60% (919) foram consideradas "vulneráveis" - também ameaçadas, mas sem risco imediato de extinção. Oito espécies foram consideradas completamente extintas. Outras cinco, extintas na natureza, com exemplares sobreviventes apenas em jardins botânicos ou outras coleções de flora, como orquidários.

Ao todo, foram analisadas mais de 5 mil espécies, das cerca de 65 mil conhecidas no País. Para 2.526 delas, apesar da suspeita inicial de ameaça, não houve informações suficientes para se fazer uma classificação (categoria conhecida como "dados insuficientes"). Uma indicação clara, segundo os pesquisadores, de que o número real de espécies ameaçadas pode ser muito maior. "A lista é um retrato da realidade, que muda de acordo com o acúmulo de conhecimento", afirma Glaucia. "Por isso é importante que elas sejam atualizadas constantemente."

O mais recente levantamento sobre a biodiversidade brasileira, divulgado nesta semana na COP 8, indica que apenas 10% das espécies de fauna, flora e microrganismos que existem no País são conhecidas da ciência. E apenas uma porção ínfima delas (cerca de 1%) é estudada com alguma profundidade.

O aumento do conhecimento sobre a distribuição e outras características ecológicas das espécies permite fazer uma análise muito mais detalhada do seu estado de conservação. A idéia é que a atualização da lista sirva como base para a definição de políticas públicas e outros esforços direcionados à conservação da biodiversidade - principal meta estabelecida pela convenção também em 1992, na convenção do Rio. Por exemplo, a criação de áreas protegidas e programas de recuperação ambiental.

Mais de 80% das espécies de plantas ameaçadas estão na mata atlântica (45,59%) e no cerrado (35,25%), o que confirma a posição desses dois biomas como os mais ameaçados do País. Em seguida vem caatinga (10,33%), pampas (4,13%), Amazônia (4,07%) e pantanal (0,63%).

A perda de hábitat, relacionada a fatores como desmatamento e poluição, é reconhecida internacionalmente como a principal causa de destruição da biodiversidade. As espécies mais ameaçadas são as consideradas endêmicas, que ocorrem apenas em regiões ou ecossistemas muito específicos.

Essa é a quarta lista de flora ameaçada já elaborada no País. O estudo foi coordenado pela Biodiversitas, em parceria com o MMA, Ibama, Sociedade Botânica do Brasil, Rede Brasileira de Jardins Botânicos e Jardim Botânico do Rio.