Título: `Culpados dos dois lados devem se arrepender¿
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Internacional, p. A14

Filho de militar seqüestrado e morto por esquerdistas antes do golpe diz que hoje o desprestígio afeta não só as Forças Armadas, mas toda a sociedade

¿Nenhuma guerra é boa. Todos os exércitos, no afã de triunfar, comentem erros. Os culpados deveriam ser julgados, sem exceção, condenados como a lei indica. Um crime é um crime e deve ser condenado, de esquerda, direita, não importa a origem. Os culpados de ambos lados devem se arrepender.¿ A frase acima e as demais que virão entre aspas abaixo são de Arturo Larrabure, autor do livro recém-lançado na Argentina Um Canto à Pátria, sobre o seqüestro e morte de seu pai, o coronel Argentino del Valle Larrabure, em 1975, um ano antes do golpe.

Durante a guerra suja argentina, os militares mataram 30 vezes mais do que todos os movimentos radicais de esquerda juntos. O relato de Arturo, no entanto, é revelador porque descortina as mudanças dos últimos 30 anos na maneira como as Forças Armadas são vistas pelo restante da sociedade argentina. Em entrevista ao Estado, Arturo deu o seguinte testemunho: ¿Sofri o estigma de ser filho de militar, pois há vários anos foi imposto em nosso país que militar é sinônimo de assassino. Mas meu pai foi seqüestrado pelo Exército Revolucionário do Povo, grupo marxista, no governo democrático da presidente María Estela Martínez de Perón. Meu pai estava dedicado à pesquisa, foi condecorado no Brasil com a Ordem do Pacificador.¿

¿Minha família era de classe média e lutava para chegar ao fim do mês. Minha mãe não trabalhava fora, mas meu pai, à tarde e à noite, era professor de física, química e matemática. Em nossa casa nada sobrava, mas tampouco faltava. Em 1972 fomos viver no Rio de Janeiro, quando meu pai recebeu uma bolsa para estudar engenharia química. Ali, nossa situação melhorou, pois pagavam em dólares, uns US$ 1.500 por mês. Meu pai nunca havia visto tanto dinheiro. Antigamente, tudo era mais simples, mais fácil... não via em meu pai uma grande preocupação nem por seu futuro nem pelo nosso.¿

¿Depois, na Argentina, viriam o horror, o seqüestro, os 372 dias de cativeiro de meu pai. Eu tinha apenas 15 anos e não entendia o que estava acontecendo, o que ocorria em nosso país, dor, mortes, guerra interna, a luta entre irmãos argentinos.¿

¿Nos anos 60 e 70, a população respeitava muitíssimo todos os integrantes das Forças Armadas, pelo que me contaram diversas pessoas que conheceram meu pai.¿

¿Em 1976 veio o golpe. Meu pai dizia que as Forças Armadas não tinham de tomar o poder, pois estavam destinadas a outras coisas. Penso na tentação que o poder causa. Foram muitos anos de governo militar, e isso contribuiu para o desprestígio. Acho que as Forças Armadas deveriam ter reorganizado o país em menos tempo e dedicar-se a suas verdadeiras funções.¿

¿Em meados da década de 70 havia um clima de guerra. O moral entre os militares, antes e logo depois do golpe, era elevado. Todos estavam dispostos a morrer pela pátria. Todos os dias morriam muitas pessoas, em diferentes confrontos. Nessa época não dava para perceber a crise institucional que ocorreria depois. Mesmo dentro do Exército havia um setor que queria dar o golpe, enquanto que o outro, não.¿

¿Após a Guerra das Malvinas, a ruptura dos militares com a população ficou mais intensa. ¿

¿Depois da volta à democracia, aconteceram os processos (o julgamento dos militares acusados de envolvimento em violações dos direitos humanos) e castigos (a prisão de dezenas de oficiais). Ou seja, uma tentativa de encontrar responsáveis pelos erros.¿

¿Passaram-se os anos, e em 2001 aprofundou-se novamente a crise institucional no país. Acho que o povo argentino percebe que a crise não é só relativa às Forças Armadas... esta crise envolve toda a sociedade argentina. Não são só as Forças Armadas que estão desprestigiadas. O desprestígio toca praticamente todos os segmentos da sociedade.¿