Título: Governo francês cede e inicia diálogo
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Internacional, p. A12

Sob pressão, primeiro-ministro propôs a sindicatos e estudantes negociação incondicional da lei sobre emprego

Diante de novas e violentas manifestações de protesto em todo o país (ler ao lado), o primeiro-ministro Dominique de Villepin cedeu ontem às pressões sindicais e estudantis e decidiu propor a eles uma negociação "incondicional" do Contrato Primeiro Emprego (CPE) - lei que reduz direitos trabalhistas para incentivar as empresas a contratar jovens. Sindicatos e estudantes aceitaram a oferta e as conversações terão início nesta sexta-feira.

Villepin deu uma guinada surpreendente. Na quarta-feira, ele se mostrava irredutível. Afirmava que três coisas seriam impossíveis de ser negociadas: a anulação da lei - "uma capitulação"; a suspensão da lei - "ato inconstitucional"; e o que classificou de "desfiguração" da lei. Ontem, Villepin procurava abrir um canal de diálogo o mais rapidamente possível.

Os sindicatos franceses receberam uma carta dele para uma reunião. Na carta, diz estar aberto à discussão de todos os aspectos da questão. Os dirigentes sindicais e estudantis examinaram juntos o teor do convite e o aceitaram, com uma condição: a lei deve ser revogada.

O líder sindical François Cheréque confirmou a presença de seus colegas hoje à tarde no gabinete de Villepin no Hotel Matignon, a sede do governo. "Só a retirada do projeto do CPE poderá permitir o início imediato de negociações que poderão solucionar a crise que o país atravessa", insistiu o líder sindical.

Essa é também a posição de outros dirigentes sindicais: Bernard Thibault, da Confederação Geral do Trabalho, e Jean-Claude Mailly, da Força Operária.

Por sua vez, Bruno Julliard, presidente da União Nacional dos Estudantes da França, expressou completo apoio à condição imposta pelas centrais sindicais.

Houve uma tentativa do governo de dividir a negociação: fazer uma entre os dirigentes sindicais e o primeiro-ministro; e outra entre os representantes dos estudantes e o ministro da Educação. Essa iniciativa foi totalmente rejeitada pelos sindicalistas e estudantes. Dessa forma, hoje à tarde sindicalistas e estudantes serão recebidas pelo chefe do governo,embora separadamente. Julliard, o principal líder dos estudantes nessa crise, confirmou presença. Mas insistiu que qualquer dialogo terá de ser precedido da retirada do projeto. "A lei deve ser revogada para início de conversa", acrescentou um assessor dele.

Contudo, embora tenha proposto um diálogo "sem limites", não há nenhum indício de que Villepin esteja caminhando na direção de suprimir a lei.

Por enquanto, a greve nacional marcada para terça-feira está sendo mantida pelos dirigentes sindicais e estudantis. Ontem, eles manifestavam prudência em relação à oferta de diálogo feita por um chefe de governo que apenas dois dias atrás não admitia nenhum tipo de concessão, mostrando-se totalmente inflexível.

O primeiro-ministro continua sendo fortemente contestado por uma parte de sua própria bancada parlamentar, contrária à lei - principalmente os deputados que apóiam Nicolas Sarkozy, ministro do Interior e rival de Villepin na disputa pela candidatura presidencial. Sarkozy é favorável a um teste de seis meses do CPE, "uma saída honrosa para todos". Essa ameaça de racha entre os deputados governistas e uma intervenção do presidente Jacques Chirac teriam levado Villepin a tornar mais flexível sua posição.

Ainda ontem, os reitores das 57 universidades francesas lançaram um apelo ao presidente Chirac para intervir diretamente a fim de que a França possa superar rapidamente a crise - classificada por eles como extremamente grave para todos os setores do país.