Título: "Juiz não pode julgar temas partidários"
Autor: Maria Fernanda Erdelyi
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2006, Nacional, p. A8

Enrique Ricardo Lewandowski, ministro do STF

Do salário mínimo ao teto salarial do serviço público; da cassação do deputado ao resultado do Campeonato Brasileiro de Futebol, tudo hoje passa pelo Judiciário. Esse processo é o que se chama de "judicialização" da vida do País. Mas há um risco, alerta o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Enrique Ricardo Lewandowski: quando se judicializam questões políticas, pode-se passar a impressão de que a Justiça esteja se politizando. Essa situação pede cautela. "Os juízes não podem ser árbitros das questões político-partidárias", diz Lewandowski, que estréia no Supremo quando a campanha eleitoral começa a aquecer.

Advogado que se tornou desembargador em São Paulo, Lewandowski chegou ao Supremo depois de um agitado processo seletivo. Temia-se que a vaga fosse preenchida por um político. O novo ministro tem uma experiência de 15 anos de julgamento colegiado. Foi juiz no extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado.

O novo integrante da mais alta corte do País mostra suas idéias nesta entrevista, a sétima de uma série com os ministros do STF feita pelo site Consultor Jurídico para o Estado.

O Supremo é chamado a intervir com freqüência no processo político. Quais são os limites de sua atuação nessa área?

O Supremo trouxe para o debate político aquilo que se espera dele: um distanciamento institucional e temporal. Isso me parece sobretudo importante em um momento político como este, pré-eleitoral. Temos de emprestar racionalidade ao processo, subtraindo do debate político o imediatismo eleitoral. Nesse sentido, o Supremo tem um papel moderador. Submete os conflitos entre os poderes ao crivo da Constituição. Recoloca a discussão meramente política em um plano político-institucional ou político-jurídico. Hoje há o fenômeno da judicialização da política. Muitos problemas que são meramente políticos, de forma indevida, são trasladados para o Judiciário. Na Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde atuei, procurávamos devolver as questões políticas para os políticos. Temas político-partidários têm de ser discutidos nos partidos, nas Câmaras, Assembléias e no Congresso. Os juízes não podem ser árbitros das questões político-partidárias. O que o Supremo tem feito historicamente é proteger os direitos fundamentais, o direito à ampla defesa, ao contraditório, à intimidade, à honra.

Mas existe também uma judicialização da sociedade em geral?

Há um aspecto muito positivo, sobretudo depois da Constituição de 1988: o cidadão começou a conhecer e defender os seus direitos. O cidadão só não consegue torná-los efetivos porque o acesso à Justiça ainda está dificultado. Tivemos grande avanço com os Juizados de Pequenas Causas, hoje Juizados Especiais, que abriram as portas do Judiciário às classes menos favorecidas. Assim, a proliferação das escolas de direito tem um aspecto positivo.

Onde está a fronteira entre o direito à honra e à intimidade e o direito à liberdade de expressão?

Sempre que há colisão de princípios, deve-se levar em conta os grandes princípios. Não se pode mais dizer, em termos abstratos, qual desses princípios é mais importante. Temos de aferir sempre no caso concreto e avaliar o que é mais importante: o direito à liberdade de expressão ou a defesa da honra, da intimidade. Há sempre que se considerar não só os limites jurídicos dos princípios, mas o caso concreto.

O segredo de Justiça vincula o jornalista?

Não. Em princípio, o jornalista deve ter a mais ampla liberdade de expressão. Isso é um dos principais postulados do Estado democrático. A população precisa estar amplamente informada para que possa tomar as decisões políticas. Mas não se pode deixar de lado a idéia de que a mídia tem de ter um código ético que não pode ser imposto pelo legislador e sim construído pela própria prática jornalística. Existem limites que a ética não permite que sejam transgredidos. Se forem, existe uma reação da lei que pode levar à sanção criminal. Antes que a lei e os órgãos que colocam a lei em prática atuem, precisa haver uma auto-restrição dentro de um código de conduta.

Cabe à Justiça fazer parte desse instrumental de restrição?

Absolutamente, não. Não pode haver nenhum tipo de censura prévia. Seja por parte da lei positiva, seja por parte de algum órgão governamental ou do Poder Judiciário. Depois de ocorrida uma eventual violação, o Poder Judiciário avalia até que ponto houve prejuízo subjetivo da pessoa atingida.

O senhor vem de um Estado em que a Justiça se encontra em péssima situação, com demanda e congestionamento muito altos. Qual a saída para essa crise?

O Estado de São Paulo é um país. Das questões econômicas mais sofisticadas até as questões mais simples de briga entre vizinhos acontecem no Estado. Após a Constituição de 1988 houve aquilo que se chama de explosão de litigiosidade - as portas do Judiciário se abriram para o homem comum. O Judiciário brasileiro não tem meios materiais e humanos para atender a essa demanda. Não é um problema apenas de São Paulo. Não podemos esquecer que a prestação jurisdicional é um serviço público. E os recursos são insuficientes para a demanda.

Agiu certo o juiz de Minas Gerais que mandou soltar os presos porque as condições prisionais afrontavam a dignidade humana?

O juiz é um membro de um Poder que ao julgar tem de tecer considerações relativas ao Estado. Em razão das condições precárias de uma penitenciária pode mandar evacuar os presos, mas sempre em comum acordo com a administração penitenciária. Não se pode simplesmente deixar um réu de alta periculosidade solto.estadao.com.br