Título: De poderosos e chefões
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Nacional, p. A6

Governo brinca com o Estado, faz pouco da sociedade e se expõe ao ridículo

Ainda que as investigações da Polícia Federal lancem todas as luzes sobre a vida financeira de Francenildo Santos Costa e venham a revelar a existência de um poderoso chefão do crime organizado sob a pele de um caseiro de mansão, o essencial continua na obscuridade.

Lá se vão mais de 10 dias desde que o moço trouxe a público a informação sobre a assiduidade do ministro da Fazenda na casa de lobby montada pela chamada república de Ribeirão em Brasília e até agora Antonio Palocci não forneceu desmentido convincente ao testemunho do caseiro nem explicou as razões que o levaram a negar, com veemência até, as relações de amizade com antigos assessores e amigos da cidade por ele administrada anos atrás.

Se nada de profissionalmente comprometedor havia nessas relações, o ministro não teria motivo para negá-las com a mais absoluta convicção. Vale lembrar, quando começou a se justificar publicamente sobre o assunto, no ano passado, Palocci afiançou que há muito sequer falava com Rogério Buratti, Vladimir Poleto e companhia.

Hoje se vê explícita a explicação para a ausência de providências judiciais por parte do ministro quando Buratti o acusou de intermediar o recebimento de quantias "por fora" de empresas prestadoras de serviços à prefeitura de Ribeirão Preto destinadas ao caixa do PT: Rogério Buratti detinha mais segredos a revelar.

E a situação em que se encontra o ministro, compelido pelas circunstâncias a não circular à luz do dia, a não despachar em seu gabinete, a se esconder no Palácio do Planalto sob a proteção direta do presidente da República, a não dizer palavra em público, indica que ainda há fatos ocultos.

A divulgação deles ajudaria a esclarecer a questão em pauta: o envolvimento, ou não, do ministro Palocci nas denúncias de irregularidades na prefeitura de Ribeirão, sob investigação da polícia e do Ministério Público de São Paulo.

A saída do ministro da Fazenda do governo hoje se tornou irrelevante do ponto de vista do andamento da economia, pois ele já não exerce o cargo de fato.

Palocci sairá mais dia menos dia, cabendo ao presidente Luiz Inácio da Silva decidir se a agonia será abreviada ou prolongada. Do ministro competente, civilizado, articulado e moderado que aprendeu de Pedro Malan e Armínio Fraga a cartilha e salvou o governo Lula de fazer bobagem na economia, não sobrou pedaço para contar história.

O problema continua sendo o ministro e as suspeitas que rondam suas atividades. Mas foi acrescido da ocorrência de um crime objetivo, concreto e inquestionável, cometido em uma (ou mais) repartição oficial.

A quebra do sigilo levada a termo nas dependências da Caixa Econômica Federal a partir de dados repassados por uma testemunha à Polícia Federal já seria suficientemente grave, não fossem os desdobramentos altamente comprometedores traduzidos nas ações para silenciar o caseiro, simular disposição à investigação, postergar o esclarecimento da quebra de sigilo, buscar bodes expiatórios de terceiro escalão e, finalmente, rasgar a fantasia desviando o alvo da acusação na direção da testemunha, agora acusada de lavar dinheiro.

Isso tudo sem informar qual o ponto de partida da apuração nem dizer quais indícios determinam a suspeita.

Seria um roteiro mirabolante, malfeito, cheio de falhas de senso e continuidade, em qualquer peça de ficção. Visto sob o prisma de uma realidade posta em prática por um governo, no entanto, torna-se aterrador.

Não pelo que venha a ser descoberto sobre a vida e as motivações do caseiro. Mas pela ausência de cerimônia com que os petistas brincam de títeres manipulando instrumentos de Estado, fazem pouco do discernimento da sociedade e se expõem ao risco de cair no mais límpido dos ridículos patrocinando investigações sobre lavagem de dinheiro a partir de um depósito de R$ 25 mil.