Título: Rebeliões simultâneas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Antes de completar o terceiro mês, 2006 já registra o mesmo número de rebeliões de 2005, em São Paulo. Só entre terça e quinta-feira, 5 mil presos deflagraram motins simultâneos em seis diferentes unidades. A mais violenta ocorreu na Cadeia Pública de Jundiaí, onde 7 morreram sufocados com a fumaça dos incêndios que eles mesmos atearam.

Responsável por levantes simultâneos em 29 prisões, em 2001, o Primeiro Comando da Capital (PCC) assumiu a responsabilidade pelos motins desta semana e justificou a iniciativa como resposta à decisão do governo de recorrer à Tropa de Choque da Polícia Militar para ocupar a Penitenciária de Iperó e coibir uma rebelião que começou quando os agentes carcerários impediram a fuga de 22 presos. O PCC reclama que os soldados entraram no presídio antes do término das negociações.

Em números oficiais, entre janeiro e março foram registrados 27 motins e rebeliões no Estado. No mesmo período, 265 funcionários e agentes carcerários foram feitos reféns. Mas o Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp) contesta esses números. Segundo a entidade, já ocorreram 31 rebeliões no sistema prisional paulista, em 2006, e 283 agentes foram feitos reféns.

Mas o governo e o Sifuspesp concordam num ponto: o problema pode se agravar, nos próximos meses. Como este é um ano eleitoral e o governador Geraldo Alckmin já anunciou sua candidatura à Presidência da República, as facções criminosas que controlam os presídios não hesitarão em aproveitar a campanha política para deflagrar novos motins. O objetivo do PCC é criar constrangimentos eleitorais para os governantes, tentando forçá-los a fazer concessões. A facção deseja que seus líderes possam negociar seus interesses diretamente com os diretores de presídios, sem interferência da PM.

Para deter a nova ofensiva do PCC, a Secretaria de Administração Penitenciária abriu uma sindicância para identificar os líderes da rebelião de terça-feira e pedir à Justiça sua inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), no qual presos de alta periculosidade são mantidos incomunicáveis durante determinado período. Seja qual for o resultado dessa sindicância, não serão resolvidos os graves problemas estruturais do sistema prisional paulista, entre os quais o déficit de vagas, a falta de pessoal especializado e a incapacidade das autoridades de impedir os presos de utilizarem telefones celulares. Nas cinco unidades onde ocorreram rebeliões simultâneas, nesta terça-feira, o número de pessoas detidas ou presas era muito maior do que o número de vagas previsto pelo sistema prisional.

Em Iperó, onde tudo começou, a penitenciária foi concebida para acolher 852 presos, mas abrigava 1.212, no começo da semana. O mesmo ocorre nos três Centros de Detenção Provisória (CDPs) envolvidos nos incidentes desta semana. Um deles, o de Mogi das Cruzes, dispõe de 768 vagas, mas abriga 1.177 detentos, ou seja, está com uma população carcerária excedente de 309 pessoas. Em Jundiaí, a cadeia pública tem capacidade para 120 homens, mas, no momento da rebelião, alojava 484 presos. A situação é ainda mais grave na Penitenciária 3 de Franco da Rocha. Embora só tenha 600 vagas, ela abriga 1.163 presos - 563 a mais do que sua capacidade.

Em suas gestões, Mário Covas e Geraldo Alckmin foram os governadores que mais investiram na construção de novas unidades prisionais. O problema é que a criminalidade cresceu numa proporção muito maior e, com o aumento da eficiência policial e das varas criminais, o congestionamento das prisões paulistas criou o ambiente propício para as atividades de uma organização criminosa e desafiadora como o PCC. Por isso, mesmo que as autoridades estaduais consigam identificar os líderes das cinco rebeliões de terça-feira e incluí-los no RDD, restará muito o que fazer para se superar o desafio do problema carcerário. E ele envolve não só o governo estadual, mas, também, a União e o Congresso, pois, além de mais recursos para construção de presídios, a solução desse problema requer a modernização da legislação penal, a disseminação da aplicação de penas alternativas para criminosos sem periculosidade e mudança de mentalidade no Judiciário.