Título: Agora a Europa não quer
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Notas e Informações, p. A3

O Brasil está seriamente arriscado a entrar em 2007 sem nenhum acordo comercial importante, se as negociações globais - a Rodada Doha - não forem logo destravadas. Os europeus deixaram claro, nos últimos dias, que um pacto de livre comércio com o Mercosul não está entre suas prioridades, neste momento.

Na falta de um novo compromisso geral, patrocinado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), outros países poderão dispor de acordos bilaterais ou regionais, que se vêm multiplicando com rapidez há vários anos.

O Brasil, no entanto, deverá continuar como um franco-atirador, num mercado cada vez mais fragmentado e ainda sujeito, em todos os cantos, às investidas de novas potências comerciais extremamente agressivas, como a China e a Índia.

O Mercosul tentou reativar as negociações com a União Européia, na última terça-feira, oferecendo maiores concessões comerciais no setor automobilístico e na área de serviços. Os interlocutores não mostraram interesse.

O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, disse que só poderá haver um acordo entre os dois blocos depois de concluída a Rodada Doha.

Mas ninguém sabe quando terminarão as negociações da OMC. Os negociadores de maior peso haviam combinado, em janeiro, liquidar até abril as discussões que vinham emperrando o processo - com destaque para a definição de linhas gerais para a reforma do comércio agrícola.

Mas até agora pouco se avançou nesse trabalho. Se os principais negociadores conseguirem um resultado significativo até o fim de abril haverá motivo para algum otimismo. Mas para isso será necessário um enorme esforço e é duvidoso que se possa, em paralelo, conseguir algum progresso na discussão de um pacto comercial Mercosul-União Européia.

A situação de certo modo se inverteu desde o ano passado. Até 2005, os europeus ainda mostravam algum empenho em conseguir um acordo de livre comércio com o Mercosul, mas faltava entendimento entre os sócios do bloco sul-americano. As principais divergências eram entre Brasil e Argentina. Os negociadores dos dois países não conseguiam formular uma proposta conjunta de concessões na área industrial.

Além disso, havia forte resistência, no Brasil, às pressões européias por maior abertura no setor de serviços e na área das compras governamentais.

As ofertas européias de abertura do mercado agrícola eram rejeitadas como insuficientes pelos diplomatas do Mercosul. De modo geral, tudo se passava como se a negociação fosse entre um parceiro industrial, a União Européia, e um essencialmente agrícola, o Mercosul.

Os brasileiros negociavam - e continuam negociando - como se o Brasil pouco ou nada pudesse ganhar com algumas concessões européias para o comércio de produtos industriais. Não se levou em conta, aparentemente, que preferências comerciais, mesmo limitadas, poderiam dar ao País melhores condições para enfrentar na Europa três grupos de importantes competidores: os asiáticos, os países que já desfrutam de acesso preferencial ao mercado europeu e os novos sócios da União Européia.

Sem um entendimento entre Mercosul e União Européia, nenhum acordo de livre comércio com o mundo rico estará disponível no próximo ano. As negociações da Área de Livre Comércio das Américas foram torpedeadas de forma ostensiva pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os Estados Unidos, no entanto, continuaram a negociar com outros países latino-americanos.

Enquanto isso, Brasil e Argentina continuaram empenhados num esforço frenético para ampliar o Mercosul, sem notar, aparentemente, que as prioridades dos parceiros sul-americanos são outras. O resultado mais vistoso desse esforço foi a inclusão da Venezuela no Mercosul. Com isso, o bloco ficou sujeito aos caprichos e objetivos políticos do presidente Hugo Chávez e nada ganhou em termos comerciais. A corrida para a União Européia, agora, pode ser um sinal de lucidez. Pena que a luz tenha chegado com tanto atraso.