Título: Presidente Alckmin - isso é possível?
Autor: João Mellão Neto
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

Na semana passada, na manhã seguinte ao lançamento da candidatura Alckmin, eu lia os jornais quando me telefonou um amigo, o empresário Pedro Brito. Ao contrário de mim, ele estava confiante e cheio de entusiasmo. Argumentei que, segundo as pesquisas então disponíveis, o nosso Geraldo, apesar de ótimo, não tinha chances. "Esqueça as pesquisas!", respondeu-me. "O discurso dele é totalmente diferente de tudo o que já se viu. Você não percebe que a candidatura de Alckmin representa uma página virada na História do Brasil?!" Terminei a ligação prometendo-lhe pensar no assunto.

No fim de semana saiu a pesquisa do Datafolha. Lula permanecia estável, enquanto Alckmin, ao simples anúncio de sua candidatura, crescera de forma significativa, em todas as classes sociais e em todas as regiões do País. Na simulação de um eventual segundo turno, ele ficaria apenas 12 pontos porcentuais abaixo do presidente. Ora, Geraldo Alckmin ainda é quase um desconhecido no resto do Brasil. Muitos eleitores dos outros Estados possivelmente já ouviram dele, mas de forma absolutamente neutra. Sabem que é o governador de São Paulo, e é só. O seu nome ainda não desperta ódios nem paixões. Como nunca atuou no cenário político nacional, ninguém formou nenhum juízo de valor sobre ele.

Pois bem, apenas três dias após ter sido apresentado, como candidato, à Nação, eis que Geraldo já despontava como um nome competitivo. Parte disso se devia ao fato de ele, agora, ser o candidato formal do principal partido de oposição. Mas isso não explica tudo. Lembrei-me da observação que me fizera o meu amigo. É bem possível que ele tivesse razão...

Alckmin não é um político convencional. Não tem uma oratória efervescente, seus modos são comedidos e não costuma criar frases ou slogans grandiloqüentes. Seus argumentos são incisivos, porém frios e racionais. Não faz concessões à retórica inflamada, à gesticulação teatral ou ao discurso condoreiro. E, aliás, mesmo que quisesse, não saberia fazê-lo. Ele não faz bravatas. Suas palavras não arrebatam; o que elas transmitem, isso sim, é convicção. Mesmo seus adversários o reconhecem como um homem que realmente acredita em tudo aquilo que fala ou faz.

A candidatura de Alckmin, sem dúvida, representa algo de novo e inédito na política brasileira. E o impacto desta novidade pode, potencialmente, sacudir o imaginário popular e provocar uma reviravolta nestas eleições.

Se me coubesse orientar os marqueteiros de sua campanha, eu os aconselharia a não mexer em nada na sua imagem. Deixem o Alckmin ser ele mesmo. Frio, racional, convicto e incisivo. Nós, paulistas, já o conhecemos bem. E seu governo é aprovado por nada menos que 69% dos eleitores de São Paulo. Alguém se lembra de alguma frase de efeito que ele tenha proferido? Provavelmente, não. Ele não as faz. Nós aprendemos a gostar dele sozinhos. Ele não pratica o auto-elogio. Atém-se a relatar o que faz e deixa que cada um o julgue por si.

Meu amigo tem razão. A candidatura Alckmin representa um virar de página na História do Brasil. Ele é um político diferente do que nos acostumamos a ver. Quando tantos vão às massas prometer-lhes o fim de todas as agruras, surge alguém para acenar-lhes, tão-somente, com o fim das promessas. Alguém para quem governar não é apenas criar bons slogans, mas, principalmente, tentar produzir bons resultados.

Eu acredito, com sinceridade, que esta candidatura - à primeira vista, tão insípida e desprovida de charme - tem tudo para empolgar a Nação.

Se é verdade que o povo já está enojado deste oceano de mentiras, emocionalismos e histrionices em que se transformou a política brasileira, que ninguém subestime o impacto de um candidato que se proponha, apenas, a lhe falar a verdade. Serenamente. Sem floreios retóricos, socos no peito ou orações inflamadas.

Alckmin, com o seu estilo pouco carismático, representa o fim das utopias, das panacéias e dos falsos milagres. Jamais cogitou de se passar por salvador da Pátria, taumaturgo político ou herói providencial. Ele não promete soluções mágicas para os problemas. O máximo que se permite é reiterar seu empenho em resolvê-los.

Antes que alguém me questione, eu próprio, desde já, me declaro sob suspeição para julgá-lo. Afinal, além de ser notório que não morro de amores por Lula, já fiz parte da equipe do Geraldo. Mas, por isso mesmo - por ter participado do seu cotidiano -, entendo que minhas observações são válidas e pertinentes.

Creio conhecê-lo razoavelmente bem. O suficiente para afirmar que ele é, de fato, um homem simples, de hábitos frugais, avesso às pompas e circunstâncias e imune aos deslumbramentos e às vaidades que costumam assombrar e corromper a alma daqueles que detêm o poder.

Por bem ou por mal, ele é assim mesmo. E de nada adianta, agora, tentar sofisticar a sua imagem. Acompanhei a sua campanha vitoriosa para governador. No início, ninguém acreditava que ele conseguisse superar a enorme distância que o separava do primeiro colocado. Mesmo assim, ele não fez concessões. Não criticou ninguém, não se inflamou nem fez discursos bombásticos. Ateve-se a uma agenda positiva, na qual se contentava em apresentar os seus feitos e as suas idéias, com palavras tranqüilas e argumentos racionais. Por ser convicto, era também convincente. E isso fez toda a diferença. Venceu, com folga, no primeiro e no segundo turno.

Alckmin é um político maduro, com um discurso maduro, que encanta, em especial, os ouvintes maduros.

Se, por acaso, depois de tanta bandalheira, demagogia, bravatas, meias-verdades e promessas vãs, o nosso sofrido povo - de tão enganado, ludibriado, menosprezado e desrespeitado - finalmente amadureceu, os demais adversários que se preparem: Geraldo Alckmin, com certeza, será o próximo presidente do Brasil.