Título: Identificados restos de soldado morto há 63 anos
Autor: Michael Wilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2006, Internacional, p. A28

Cadáver encontrado numa geleira da Califórnia era de um pára-quedista americano desaparecido num acidente aéreo durante a 2.ª Guerra Mundial

A neve em derretimento na Sierra Nevada foi se afastando do soldado centímetro a centímetro. Ele jazia de rosto para baixo, os longos cabelos loiros no topo de uma cabeça esmagada.

Em outubro, dois alpinistas caminhavam pela Geleira Darwin na Califórnia quando avistaram um pedaço de pano, aproximaram-se e o encontraram. Os braços estavam abertos como que em queda livre.

O pára-quedas em suas costas dizia Exército dos EUA, e estava fechado.

Uma equipe militar chegou para transportá-lo, com gelo e tudo, para um laboratório remoto na Base da Força Aérea Hockam em Oahu, Havaí, onde antropólogos cuidadosamente o degelaram.

Uma cápsula do tempo humana mumificada tomou forma diante deles. Ela portava uma caneta tinteiro Sheaffer. A moeda mais nova em seu bolso datava de 1942. Mas sua plaqueta de identificação estava totalmente corroída. Assim, o pára-quedista congelado ocupou um lugar entre milhares de caixas com restos não identificados em prateleiras repletas ou espalhadas em mesas de metal no Comando de Auditoria Conjunto POW/MIA (abreviaturas de Prisoner of War, prisioneiro de guerra, e Missing in Action, desaparecido em combate) nesta cidade.

Mas ontem, os restos do soldado da 2ª Guerra seriam sepultados numa cerimônia em sua cidade natal, Brainerd, Minnesota: equipes de antropólogos e historiadores juntaram as peças de sua identidade e o identificaram como um pára-quedista desaparecido num desastre de avião há 63 anos.

As escavações no local da queda foram relativamente fáceis. No laboratório, cientistas vasculharam os modestos pertences pessoais do soldado: um pente quebrado, a caneta Sheaffer, seis moedas de US$ 0,01, uma de US$ 0,25, quatro de US$ 0,10, três cadernetas de endereço que estavam ilegíveis.

O item mais incomum era um pedaço de papel que eles colocaram num comparador espectral de vídeo de alta resolução, descobrindo o que pareciam ser versos obscenos que diziam, em parte: "Um pássaro na mão vale mais que dois voando. Todas as garotas sabem." O pára-quedas em suas costas estava intacto. Desdobrado no asfalto, parecia até utilizável .

Finalmente, a placa de identificação corroída. Os antropólogos usaram diferentes fontes de luz para fotografá-la até discernirem quatro letras do metal corroído: "EO A. M." Um dos homens desaparecidos no desastre tinha sido registrado como Leo M. Mustonen, de 22 anos - um nome próximo das letras da placa, mas com uma inicial do meio diferente. Seu atestado de óbito tinha como contatos seus pais, Arvid e Anna Mustonen, imigrantes finlandeses da Rua Maple em Brainerd, Minnesota.

Um fragmento de osso forneceu DNA mitrocondrial, mas para uma verificação correta, uma amostra tinha de ser extraída de algum parente materno. Os únicos parentes do soldado chamados Mustonen eram a mulher e as filhas de seu irmão, em Jacksonville, Flórida. O DNA não ajudaria.

Por fim, os antropólogos depreenderam que o nome de Mustonen havia sido escrito errado na placa de identificação. O "A" devia ter sido um "M".

Parentes dos outros soldados desaparecidos no mesmo vôo forneceram DNA, e nenhum deles batia com o do aeronauta.

Assim, pelo nome da placa e a incompatibilidade genética, e "por exclusão de outras possibilidades razoáveis", o soldado foi identificado como Leo M. Mustonen. Foi feita uma notificação formal a Leane Mustonen Ross em Jacksonville, que ainda não havia nascido quando o avião que transportava o irmão de seu pai se acidentou.

Os restos mortais do aeronauta foram cremados e enviados para Minnesota. Ross disse que a idéia dos momentos finais de seu tio a aterrorizam.

"Ele realmente conseguiu sair de um avião em pane", disse ela. "Aí, o pára-quedas não abriu. A altitude talvez não fosse suficiente para ele abrir." Ela informou que sabia de três pessoas vivas que conheceram seu tio, e programou o funeral para sexta-feira na Primeira Igreja Luterana em Brainerd. Uma equipe militar se perfilaria e daria uma salva de 21 tiros.

Em sua casa há uma foto do soldado mumificado, num relatório do comando, mas ela prefere não vê-la. Prefere a foto do tio no tempo de ginásio, quando ele tinha 18 anos e era membro da banda da escola, com o rosto jovem e sério e o cabelo loiro penteado para a direita.