Título: Na França, governo não chega a acordo
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2006, Internacional, p. A24

Diálogo com sindicalistas sobre lei do emprego é inconclusivo e centrais mantêm a greve nacional do dia 28

O primeiro-ministro Dominique de Villepin e representantes das principais centrais sindicais francesas não chegaram ontem a um acordo sobre o Contrato Primeiro Emprego (CPE) - lei que reduz direitos trabalhistas para incentivar empresas a contratar jovens.

Enquanto a reunião ocorria no Hotel Matignon, sede do governo, uma grande explosão seguida de incêndio, destruía o laboratório da Escola Superior de Química de Mulhouse, perto da fronteira com a Alemanha. Uma pessoa morreu e outra ficou levemente ferida. Era hora do almoço e havia poucas pessoas nas dependências da escola. As causas estão sendo apuradas, mas a polícia, pelo menos por enquanto, não vê vínculos entre o incidente e as manifestações de protesto contra o CPE.

A primeira tentativa para contornar a crise criada pelo CPE durou apenas 1h30 e, como não houve entendimento, os sindicatos mantiveram a convocação da greve nacional para a terça-feira. Esse movimento é considerado perigoso pelas autoridades diante do crescimento da onda de violência nas ruas das principais cidades do país.

Os dirigentes sindicais saíram decepcionados do encontro com Villepin. Ressaltaram que só obtiveram do chefe do governo uma promessa de receber hoje os líderes estudantis envolvidos no movimento contrário ao CPE que, segundo eles, viola a legislação trabalhista francesa. Apesar da falta de entendimento nessa primeira tentativa, Villepin e os sindicalistas decidiram manter novos contatos.

Segundo Bernard Thibault, da Confederação Geral dos Trabalhadores, a única saída para a crise seria a retirada da lei pelo governo, "porque não existem condições de melhorar o texto dessa lei" .

Já Jean Claude Mailly, da Force Ouvriére, disse que Villepin desperdiçou uma excelente ocasião para resolver a questão, lembrando que os sindicatos vinham pedindo a abertura de um canal de diálogo há pelo menos dois meses. Ele insistiu: se Villepin revogar o CPE, os sindicatos voltarão a discutir com ele o problema do emprego dos jovens.

Uma hora antes do início do encontro, os dirigentes sindicais já se mostravam céticos quanto aos resultados, em razão de uma declaração feita, em Bruxelas, pelo presidente Jacques Chirac. O chefe de Estado disse que "toda lei votada democraticamente, no espírito da Constituição, deve ser aplicada". Os dirigentes sindicais ficaram surpresos, pois haviam pedido a intervenção de Chirac para atuar como mediador e desfazer o impasse. Interpretaram declaração dele como tentativa de fortalecer a posição de Villepin no encontro.

O primeiro-ministro definiu a reunião como uma etapa importante. Ressaltou que é preciso encontrar rapidamente uma solução construtiva junto com as centrais sindicais para dar emprego aos jovens. Villepin reafirmou sua posição favorável ao diálogo. Ele pretende continuar as discussões com os sindicatos na próxima semana.

Parlamentares que apóiam o governo criticaram duramente a posição do chefe do governo. Ele foi acusado de que não abrir nenhuma perspectiva para a solução da crise.

"Quando os jovens estão nas ruas é preocupante e isso vai além do problema do CPE", disse o deputado Antoine Rufenacht que dirigiu a campanha política do presidente Jacques Chirac.

Ainda ontem, o sociólogo Alain Touraine destacou que a maior parte dos "casseurs" (quebradores ) vem dos subúrbios parisienses. "Eles se sentem discriminados; fazem parte de uma sociedade que se desintegra. São pessoas que se consideram abandonadas." Segundo o intelectual francês , o projeto do CPE tem contribuído para unir na falta de esperança jovens da classe média da capital francesa aos das classes mais pobres dos subúrbios.

Ontem, a Escola de Altos Estudos foi desocupada pela polícia, mas algumas salas se encontravam devastadas por seus ocupantes - cerca de 60 jovens que não tinham nenhum vínculo com o estabelecimento de ensino. Eles se encontram detidos para averiguações. Até ontem 1.014 liceus franceses de um total de 1.400 e 61 das 84 universidades do país encontravam-se com seus cursos funcionando precariamente ou paralisados pela greve.