Título: Governo paga US$ 6,6 bilhões. E espera retorno
Autor: Adriana Fernandes e Gustavo Freire
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2006, Economia & Negócios, p. B5

O governo encerrou ontem uma fase importante para a melhoria do perfil da dívida externa brasileira ao recomprar no mercado internacional US$ 6,6 bilhões dos famosos bradies, os títulos da dívida externa que tinham a marca da moratória brasileira de 1987. A expectativa do Ministério da Fazenda é que esse volume de recursos possa retornar ao País em novos investimentos, desta vez na compra de papéis da dívida interna.

Na discreta comemoração da operação envolvendo os bradies, emitidos em 1994, o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, foi otimista e disse que o foco, agora, é melhorar o perfil da dívida interna para obter das agências de classificação de risco o "grau de investimento".

A obtenção do "investiment grade" é um objetivo ambicioso e extremamente importante para atrair investimentos. Quando as agências de risco elevam um país para essa condição, estão garantindo que se trata de uma economia sem riscos.

Na entrevista, Kawall reconheceu o objetivo do governo e validou a informação de que um dos obstáculos à reclassificação do Brasil está relacionado à vulnerabilidade da dívida interna à variação da taxa de juros. É que a maior parte dos papéis vendidos no mercado interno é corrigida pela taxa Selic.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, definiu a operação como a eliminação "de uma mancha no currículo do Brasil". Ele lembrou que o governo mexicano, quando realizou operação semelhante, fez o "maior estardalhaço" e até mesmo convidou o ex-secretário do Tesouro americano, Nicholas Brady, o mentor do programa de reestruturação da dívida da América Latina, conhecido como Plano Brady.

Segundo Mantega, a operação mostra que o País se encontra hoje num estágio de solidez das suas contas externas e internas, que pode ser "comprovado na prática" nesse momento de turbulência "leve" no mercado internacional. "Observamos o aumento do preço do petróleo e do juro internacional, e o que está acontecendo no Brasil? Juros de longo prazo em queda, o risco estacionário ou caindo e a bolsa de valores subido", observou o ministro. Mantega não perdeu a oportunidade para fazer uma ironia e manifestar seu descontentamento com a taxa de câmbio: " O dólar infelizmente continua caindo. Não dá para ter tudo".

Carlos Kawall disse que, com essa operação, o trabalho de administração da dívida externa praticamente se "esgotou". Agora, trata-se de melhorar o seu perfil e gerenciar os prazos. "Na dívida externa nós já chegamos em um nível que poderíamos ir para o grau de investimento. Mas essa não é a única questão. O desafio agora é melhorar o perfil da dívida interna." A estratégia do governo, como informou, é a troca da dívida externa por interna.

O secretário-adjunto, José Antônio Gragnani, afirmou que é difícil calcular quanto do dinheiro pago pelos bradies pode retornar ao Brasil, mas "há boa chance" desse movimento acontecer. Segundo ele, dos US$ 6,6 bilhões pagos ontem aos investidores, US$ 6,45 bilhões referiam-se ao principal da dívida e US$ 175,56 milhões a juros. A maior parte do dinheiro para a compra dos bradies - US$ 5,8 bilhões - foi das reservas internacionais e outros US$ 840 milhões foram comprados pelo Tesouro no mercado de câmbio. Em 15 dias úteis, o governo recebe US$ 1,4 bilhão referente às garantias dadas na época da emissão, reduzindo para US$ 4,4 bilhões o impacto financeiro da operação nas reservas. Com o resgate de bradies, o programa de recompra antecipada de títulos com vencimento até 2010, iniciado em janeiro, já totalizou US$ 10,2 bilhões.