Título: Avança projeto de reforma do FMI
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2006, Economia & Negócios, p. B6

Está ganhando forma um novo mecanismo de financiamento preventivo, mais generoso e flexível, para países com políticas econômicas bem avaliadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na fórmula apresentada pelo diretor-gerente do Fundo, Rodrigo de Rato, esses países poderão, quando necessário, ter acesso imediato ao triplo do valor de sua cota, com possibilidade de mais dinheiro depois de uma primeira revisão do programa adotado.

Os tomadores do empréstimo continuarão sujeitos às detestadas "condicionalidades", mas a ênfase será diferente. Não se dará atenção a pequenos desvios das metas políticas. O controle terá como foco as medidas necessárias para eliminar pontos fracos da economia, as chamadas vulnerabilidades.

A criação desse mecanismo deve ser um item da reforma do FMI, em discussão há mais de um ano. O relatório de Rodrigo de Rato sobre as estratégias de ação para o mundo globalizado será discutido na reunião de primavera, nesta semana.

No ano passado, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, defendeu a dispensa das condições, nos casos de financiamento preventivo, para países com políticas aprovadas internacionalmente. A proposta ficou fora do novo relatório. Em contrapartida, a fórmula prevê o acesso ao dinheiro sem muita burocracia. Governos europeus sugeriram, no ano passado, um sistema de prevenção sem dinheiro, baseado apenas em apoio técnico.

O Fundo lançou há alguns anos uma linha de crédito contingente com finalidade semelhante, mas nenhum país a utilizou, porque o sistema era muito caro e complicado.

O crédito preventivo, reservado para um grupo restrito de países, deve ser parte de um novo estilo de operação do FMI, adaptado à economia globalizada e aos novos padrões do mercado financeiro. Em setembro de 2005, na assembléia anual conjunta do FMI e do Banco Mundial, foi apresentada uma proposta de Estratégia de Médio Prazo, com as grandes linhas da mudança.

O novo relatório de Rodrigo de Rato, com 21 páginas, é mais concreto e vai mais fundo nos detalhes práticos. O objetivo da estratégia é adaptar a instituição aos novos tempos e mantê-la tão relevante quanto foi na segunda metade do século 20.

O documento propõe uma perspectiva mais global, com a introdução de um sistema de consultas multilaterais. A Diretoria-Executiva do Fundo e o Comitê Monetário e Financeiro Internacional, órgão político, deveriam debater os grandes temas de ordem global. Seria preciso dar maior atenção aos desequilíbrios cambiais.

O tema ganhou importância especial, nos últimos anos, com a emergência da China como grande potência comercial. O governo chinês foi pressionado pelas maiores potências do ocidente para deixar o yuan flutuar e valorizar-se, para tornar menos competitiva a economia da China, mas até agora as mudanças anunciadas deram pouco resultado.

Ainda com a perspectiva global, o relatório recomenda maior atenção, nas análises, aos efeitos econômicos dos fenômenos financeiros. Deve ser função do Fundo, de acordo com o documento, criar planos de trabalho regionais, uma dimensão pouco explorada até agora.

A redistribuição de poder na instituição, por meio de mudanças nas cotas e nos direitos de voto, é um dos tópicos potencialmente mais polêmicos. Rodrigo de Rato sugere duas etapas de mudanças, A curto prazo, aumentar as cotas e votos dos sócios "mais sub-representados" e tomar, depois, outras providências necessárias.

Há uma noção geralmente aceita de que vários países deveriam ter mais cotas e mais votos, para ter uma representação proporcional à sua importância econômica. O governo brasileiro afirma que esse é o caso do Brasil. Mas os documentos do Fundo, até o ano passado, mencionavam a China e não o Brasil, O relatório de Rodrigo de Rato não cita nenhum nome.

Segundo De Rato, há condições para que várias das propostas estejam maduras em setembro, quando será realizada, em Cingapura, a assembléia anual conjunta do Fundo e do Banco Mundial.

Devem representar o Brasil, no encontro desta semana, o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A reunião ocorrerá oficialmente no sábado e no domingo, mas haverá atividades durante toda a semana.

Hoje, o economista-chefe do FMI, Raghuram Rajan, apresentará o Panorama Econômico Mundial, aberto, como sempre, com uma avaliação da conjuntura. Nos capítulos analíticos, divulgados na semana passada, os técnicos do Fundo discutem os preços do petróleo e advertem para o risco de novas pressões inflacionárias.