Título: "Não posso debater acusações baixas"
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2006, Nacional, p. A6

Palocci faz discurso de 40 minutos, defende fundamentos da economia e evita responder diretamente a denúncias que o jogaram em inferno astral

Depois de 11 dias de reclusão voluntária, em casa ou no Palácio do Planalto, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, rompeu o silêncio, ontem, e em tom quase magoado procurou defender-se das críticas que lhe são feitas por envolvimentos suspeitos com seus velhos amigos da república de Ribeirão. "Todos nós temos de pagar pelos erros que cometemos", disse ele a uma silenciosa platéia de quase 500 empresários na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo, "mas não se pode transformar o debate político numa crise sem fim, numa crítica desenfreada de todas as coisas, numa agressão a vidas pessoais". E, falando devagar, avisou: "Quando chega nisso eu me afasto, fico um tempo distante."

Em tom amargo, Palocci comparou sua vida atual às agruras do Inferno de Dante. "Como é possível" perguntou-se, "ter uma economia que começa a voar em céu de brigadeiro e um ministro que está mais para o lado do inferno, ali no terceiro ou quarto círculo do Inferno de Dante?" Ele se referia à primeira parte da Divina Comédia, do poeta italiano Dante Alighieri, onde o inferno é dividido em nove círculos, cada um pior que o outro.

Em nenhum instante o ministro citou qualquer das acusações feitas contra ele, e muito menos o nome de seu maior algoz do momento - o caseiro Francenildo Santos Costa, que o atirou no inferno astral ao afirmar que ele participava dos encontros na mansão do Lago Sul, em Brasília. Começou com um longo vôo pelos bons índices da macroeconomia e, na parte final de sua fala, vendeu a idéia de que seu trabalho como ministro é coisa séria e não pode ser confundido com assuntos de sua vida particular. "Não posso, como ministro, debater todo tipo de acusações baixas e ofensas que são apresentadas no jogo politiqueiro. Aí sim, eu comprometeria a condução da economia", avisou Palocci, dizendo que nas crises está "sempre do lado dos bombeiros".

LIMITES

O ministro queixou-se, também, do que considera abusos, "não da imprensa, em geral, mas de algumas pessoas". "Acho que dentro do jogo político há pessoas que não têm limites. Pessoas que não vêem limite entre investigar o que é justo e perseguir."

Na platéia estavam presidentes e altos executivos do Bradesco, Citibank, Dupont, General Electric, IBM, Odebrecht, Eli Lilly e Kaiser, além dos próprios conselheiros e o presidente da AmCham, Hélio Magalhães. O governador Geraldo Alckmin foi representado pelo secretário de Ciência e Tecnologia, João Carlos Meirelles. Este afirmou, depois do discurso do ministro, que o governo e o PT "criaram sua própria crise" a que o País "assiste, atônito, há quase um ano". E outro empresário, Sérgio Haberfeld, queixou-se de um jogo "entre políticos e imprensa" a que "toda a sociedade assiste, sem participar".