Título: 'Coisa de gângster'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Sabia o que dizia Benta Maria dos Santos Costa, mãe do caseiro Francenildo, quando, em entrevista a este jornal, apelou ao presidente Lula: "Não faça nada com o meu filho." Pois ele, se não autorizou, tampouco impediu, ou se importou, que se fizesse o que o presidente da OAB, Roberto Busato, classificou como "coisa de gângster, de sindicato do crime", referindo-se ao massacre a que está sendo submetido o empregado da casa de má fama onde operava a patota que o ministro Antonio Palocci importara de Ribeirão Preto. Francenildo entrou para a vexaminosa história do PT no poder ao desmentir - primeiro ao Estado, depois à imprensa em geral, em seguida à CPI dos Bingos, por fim à Polícia Federal - a versão do titular da Fazenda de que nunca pôs os pés na mansão usada por sua gente para tramar negociatas e promover farras.

Ele nem foi o primeiro a desmentir o ministro. Antes dele um motorista e depois dele o mesmo motorista e ainda um corretor também afirmaram tê-lo visto no lugar. Mas as minúcias que tornam absolutamente críveis as suas declarações e a segurança com que respondeu a todas as perguntas dos jornalistas, parlamentares e policiais eram devastadoras demais para ficar impunes. O Estado aparelhado pelo petismo abateu-se sobre ele com uma truculência sem precedentes no Brasil desde o fim da ditadura militar.

Primeiro, houve a violação do seu sigilo bancário e o "vazamento" de extratos da sua conta com o objetivo de "provar" que ele fora comprado para acusar Palocci. Fracassado esse golpe sujo, com a explicação convincente da procedência dos depósitos, o governo recorreu à baixeza de transformar a vítima em suspeito de lavagem de dinheiro.

Em vez de investigar as andanças e as negativas do ministro que passou uma semana eloqüentemente enfurnado e quieto no Palácio do Planalto, a Polícia Federal investiga Francenildo. E, quando um inquérito parlamentar busca legitimamente apurar a verdade dos fatos, não só a apuração é travada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que interrompeu o depoimento de Francenildo (foi a 18ª intervenção do STF para tolher os trabalhos das CPIs), mas a própria comissão legislativa é acusada de se transformar "em instrumentos exclusivamente do processo eleitoral". E isso dito por ninguém menos do que o presidente do Supremo, Nelson Jobim, cujas ambições eleitorais e cujas afinidades eletivas com os governantes de turno, de que partido forem, não poderiam ser mais notórias. Sobre a violência do poder petista contra o ex-caseiro - agora por meio de um órgão de vigilância financeira - nenhuma palavra.

Com uma celeridade nunca antes vista, entre a sexta-feira da semana passada e a segunda-feira seguinte, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que, assim como a Caixa Econômica, responde ao ministro da Fazenda, examinou a conta bancária de Francenildo de outubro de 2005 a este mês. Concluiu que a movimentação analisada não representa "necessariamente atividades ilícitas", mas contém "atipicidades" suficientes para acionar a Polícia Federal.

Atípica é a conduta do Coaf. Como registrou a Folha de S.Paulo, em 2004 o órgão recebeu 85.152 avisos de movimentações bancárias possivelmente irregulares. Levou adiante apenas 453 casos, ou 0,5% do total. Por sua vez, o jornalista Ricardo Noblat lembrou que até hoje o Coaf não repassou a quem de direito os dados obtidos junto ao Banco Central sobre os vultosos e freqüentes saques do publicitário Marcos Valério das contas irrigadas com R$ 55,8 milhões para uso no mensalão.

Adicionando desfaçatez à vilania, o governo tenta convencer os executores do crime na Caixa a assumirem a culpa por ele sem revelar a identidade dos mandantes do delito.

Nada mais oportuno, diante de tanta infâmia, do que transcrever excertos do texto premonitório do anarquista russo Mikhail Bakunin (1814-1876), citado ontem no Estado pela colunista Sonia Racy: "O governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes, cessarão de ser operários; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões a governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana."