Título: Gil lê cordel que chama Costa de boçal
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Economia & Negócios, p. B10

Em aula inaugural no Rio, ministro da Cultura fala da necessidade de aprofundar o debate sobre a TV digital

Convidado a dar uma aula inaugural na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o ministro da Cultura, Gilberto Gil, leu ontem, durante o evento, um cordel desancando o processo de escolha do padrão da TV digital no Brasil. O texto, de autoria de uma jornalista pernambucana, diz que o governo federal está "muito mal representado" na discussão, pois o ministro das Comunicações, Hélio Costa, é um "empresário boçal", que "só aposta no monopólio privado" e, "com uma conversa de bosta, só quer saber da imagem e do que traz de vantagem".

No meio de uma palestra sobre a importância da democratização das novas tecnologias e da diversificação das fontes de conteúdo, Gil começou a abordar o tema da TV digital. Depois de ressaltar as vantagens e suas inúmeras possibilidades, ele falou sobre a necessidade de regulamentação do projeto. Foi aí que contou ter recebido um cordel feito pela pernambucana Luciana Rebelo e disse que gostaria de ler alguns trechos. Acabou declamando todas as 20 estrofes.

"Gostaria de ler para vocês sentirem como essa discussão chega, como é que todos nós estamos necessariamente interessados nessa nova tecnologia, o desdobramento que ela pode ter para nós", explicou Gil, antes de ler os versos, sempre agressivos à condução do processo por Hélio Costa, colega de Gil no ministério de Lula.

O cordel defende a criação de um modelo brasileiro. O ministro das Comunicações tem manifestado sua preferência pelo padrão japonês, em detrimento do europeu e do americano.

Depois de ler os trechos que censuram a forma como governo federal e o ministro vêm debatendo a questão ("O tal ministro citado, que se chama Hélio Costa, de fato somente aposta no monopólio privado, neste empresariado que recebeu concessão de rádio e televisão e quer se perpetuar o único a mandar na nossa programação"), Gil fez uma pausa e comentou, em tom coloquial: "Você vê a crítica aberta ao governo, ao ministro e tal".

A platéia que lotou o auditório do Fórum de Ciência e Cultura da Escola de Comunicação, na Praia Vermelha, riu quando Gil declamou o trecho que diz que Hélio Costa tem uma "conversa de bosta" e outro que fala sobre "um modelo de cocô lá dos Estados Unidos", que vem sendo testado para rádios digitais. O ministro informou o endereço eletrônico de Luciana no início e no fim da leitura, que durou quase seis minutos, e foi concluída sob aplausos de estudantes e professores da universidade.

"A Luciana Rabelo está vocalizando, vociferando mesmo", concluiu, destacando a importância de "mais democratização, mais espaço, mais acesso" das novas tecnologias.

Ao ser questionado por um estudante sobre o papel do Ministério da Cultura na discussão, Gil afirmou que sua pasta faz parte de um grupo interministerial criado para decidir os rumos da TV digital. E afirmou que, nos últimos meses, o governo chamou para si o processo de escolha do padrão, que vinha sendo discutido "de forma pulverizada". "O governo está discutindo com mais propriedade do que vinha discutindo, ou não vinha discutindo, até três meses atrás", declarou.